Eu vou falar a verdade. A vida, que me deixem cá com a minha — não preciso traduzi-la, vai indo bem, obrigado. A confissão é de outra ordem. Eu falo aos meus colegas; e se falo aqui aos meus leitores peço que me leiam esses colegas, um tipo específico de poeta que se revolta e diz que isso que faço não é poema não é bem assim e assim é a vida, assim ele vive a vida e lá aos outros apenas a exibe disruptiva impressa na página, contra as belas artes e também contra a própria poesia, diz que faz outra coisa, sei lá não sei, alquimia. Sabem lá não sabem, esses daí, que quando se joga um jogo não se furta às regras quem rouba ou vira tabuleiro. Um War supõe a trapaça, a dissimulação dum irmão mais velho, para operar; um War pressupõe a histeria, o descontrole do mais novo, para se consumar. A war se impõe como lógica desde que admitida a entrada de sua caixa na sala de se estar. Tal qual para o eu dizer qualquer coisa no seu idioleto eu-de-lira há que já estar admitida a lira. Eu disse pro Picchetti no ônibus lotado: não se trata de exceção, o estado é de exceção. Ele disse que ah Miguelzinho então anda lendo Agamben. Não, seu animal, estou lendo o mundo. E aqui o tecendo por uma forma de escrita. Aproveito para contar uma história que pouco tem que me ver comigo, com que não me identifico, e que não me reflete. E vou pô-la em meio a branco de página para que de-lirem:
Doze toneladas de chuchu
numa caminhonete de quinta
descendo a Serra de Estrela
a Ponte do Pontal
numa noite meio absurda
As doze toneladas divididas em múltiplas partes
contêineres a fora
Algumas estão na China
O todo
O pau duro
Umas dívidas
Isso embriaga o motorista
O motorista para
dá um tiro pro nada
Compensar as aporias
Nada coisa nenhuma
Tinha eu aqui, viu
Me acertou
Desculpa, moça, não vi
E morreu
. . .