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ENCARTE DE "JOAO GILBERTO EN MEXICO" (1970)

 

Esse disco se deve a Mariano Rivera Conde. Vim passar dez dias no México e encontrei Mariano, que eu já conhecia muito, por procuração (via Antonio Prieto). Mariano me convidou para fazer um disco com ele, da maneira mais hospitaleira. Fui ficando, de repente estava morando mesmo. Fiquei mais de um ano, o México é uma maravilha. Ouvi galo cantando no meio do dia, da tarde, de madrugada, de noite – há quanto tempo eu não via isso. Gato, galhinha, carneiro, pato, papagaio, onze perus, cachorro, tem uns onze; é tudo de um senhor que mora aqui embaixo, no barranco. Ainda tem duas filhas, dois filhos e uma porção de netos. Um dia ele matou um porco e dividiu entre os vizinhos todos. Disse que é para se fazer assim.

Oscar Castro Neves chegou de Los Angeles, tirou os sapatos, alugou um piano, pendurou o som, ficou feito uma luz. Parecia a estrela dalva que daqui se mira.

Chico Batera desapareceu. Não tirou os sapatos e disse que não ia pendurar nada, não. Aí, fez os sons de percussão com José Luis Ferra "La Manja". No fim, eu dei um pedaço de bolo a ele. Ele ficou calado, comeu e começou a engordar. Depois, ficou magro de novo. Aí, ficou assim o dia todo.

Manuel, da cabine de seu avião, comandou a turma do som - Roberto, Bernardo, Rico - com toda boa vontade e amor.

Mariano, um grande amigo, das melhores pessoas que já vi.

Eu quero que esse disco dê um abraço no bonfá em todos os meus amigos.

Minha gratidão e um grande abraço ao Dr. Pedro Bloch.

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DE UM ALUNO


Henrique é um pré-adolescente de 11 anos. Tem aulas particulares comigo há algum tempo. Na aula da semana passada, escreveu um poema. Normativamente corrigi alguns fatos de português junto a ele, e, no mais, o poema está aqui como ele o fez:


Uma menina chegou em uma cidade.

Ela não sabia de nada.

Absolutamente nada.

Nem as coisas mais simples.

Essa menina chegou a um menino.

Ela perguntou: o que é um raio?

O menino respondeu que é um choque

que vem de uma chuva mais forte

chamada de “tempestade”.

Mas ela não sabia nem mesmo o que era chuva.

Era tudo tão estranho...

Ela se permitiu perguntar ao menino:

O que é chuva?

Gentilmente, o menino respondeu:

É um monte de nuvens que começam a soltar água

Do mesmo jeito que você solta lágrimas.


Henrique quis saber por que, quando eu li em voz alta, o poema pareceu ser tão melhor do que antes ele achava.

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MAIS UMA QUADRILHA

por Clara Prado

A partir do poema "Nossa poesia não será burguesa ou não será". Publicado aqui com a liberdade que tomei de reescrever uns versos, adicionar maiúsculas e pontos — isto é, de controlar seu texto, porque pelo visto tenho visto que escrita é controle.


O primeiro amor homossexual 

do meu primeiro grande leitor

disse da minha poesia

É burguesa


Meu primeiro leitor

disse do meu primeiro amor homossexual

Não é amor


Disse-lhe o mesmo

e talvez os dois estivéssemos certos


Os nossos primeiros amores

por sua vez

dizem sempre É burguesa

sobre a nossa poesia


Mas não

meu primeiro leitor e eu

que o sejamos burgueses

A nossa poesia eu não diria


É apaixonada

e nossos primeiros amores

homossexuais que são

deveriam notá-lo


Meu amor homossexual não quer mais nada com isso

Meu grande leitor cansou de notas biográficas

Seu primeiro amor segue dizendo burguesa

o que quer que seja

e eu amo a todos e lhes quero bem

. . .

IRREMEDIÁVEL NEON

Inspirado, editado e roubado por mim, outra vez — quase sempre — do Totô.


Gosto dos que me fazem vibrar — e digo: gosto de conhecer para aprender a vibrar melhor. Gosto da palavra estendida ao comprido de sua graça, porque é graciosa e engraçada. E se me ensinam o alfabeto grego, o cirílico e mil kanjis é sim, sim, senhor, porque me masturbar em 26 letras é pouco e escasso: quero cruzar todas palavras de todos os cantos. É para chorar um amor em versos líricos e mais tarde em ironia cáustica; para saber o sólido geométrico que melhor se encaixa na minha tristeza; para conhecer as etimologias e rir de Pedros, coitados, que são pedra.

Quem ainda quer ler o mundo? Como se houvesse coisa pra ler. Um entre outros mil, tinha-se lido que, há pouco mais de dez anos, o mundo acabaria. Coisa ainda pior na aparente ausência de mitologias: não percebem, recalcada mesmo na certeza objetiva dos fatos, a suposição de uma redenção mal assumida. Empanturram-se de números, esquadrinham-se em gráficos e eixos e, mesmo assim, não enxergam que o percurso de seus pensamento traça uma imensa cruz. Sonham: sair da caverna com um gesto heróico; ver dobrar o espaço, já rendido em apokálypsis; assistir ao revelar da farsa; a caverna desmanchar-se em planos não cartesianos; o tempo desembaraçar-se. E no entretanto não há redenção: o demiurgo não cogitou o fogo e não houve plano por se manifestar na saída da caverna. Andou-se em circulos. Sinos não foram tocados. Não desceram quatro cavaleiros, nem surgiu, dos céus, a tal da puta da Babilônia. Para que então, reter-se, mortificar-se à espera dê? Por que cultivar a redenção oculta no estudo dos algoritmos e funções numéricas? Alguém avise: a máquina do mundo não vai se abrir, o gabinete não será invadido por cachorros falantes e não haverá pacto que resolva. Já se leu tudo. Já se escreveu — a sério — uma Bíblia, e nem assim a redenção chegou. Querem continuar a resmungar objetividade, como quem resmunga a certeza da volta de Cristo? Desenrolem ao infinito o perímetro da circunferência, e andem em círculos científica, precisa, calculada, rigorosamente. 

Se não há explosões, não há dragões, pelo menos que nos divirtamos com entrar e sair da caverna. Deixem que se projete todo um teatro nas sombras. Animem-se como as crianças com animais feitos contra a luz pelo contorcionismo das mãos. Usem, pelo amor de Deus, o saber oculto do mundo de lá para projetar deliciosas fodas, e que se foda que sejam sombras. Fiquem aí os disciplinados leitores, os ascéticos cientistas, calculando o valor de zero sobre o nada, à espera do seu Cristo Numérico. Perderão o show das luzes e das sombras.

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A PARTIR DE POST DO TOTÔ


aos meus netos direi que aos 20

fazia palíndromos andava em círculos

via vídeos no youtube


aos meus filhos direi que desenhava

lia e chorava

com músicas de amor

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AS SAPEQUICES DO MENINO DOURADO

por Clara Prado

para o proprietário destes meios de expressão


Ninguém me para!

— Ele disse e depois parou.

O menino de ouro cansou

De gostar das mesmas entradas.


Ah, não me levem a mal!

Sapeca pepeca pecar,

Mesmo sujinho consigo brincar

(Brilhar?).

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AS MENINAS NA GARE

por Chico Mieli

Com minha participação singela. Pelos cálculos, os quatro versos que propus, de 33, dão 12,12% da canção; em termos de royalties, conto que, se chegarmos a 20 milhões de reproduções na rede sueca, poderei comprar um Guaraná Antártica Zero.


As meninas na gare,

As meninas já vão embarcar.

Três poemas criando

Um só plano, um destino a selar:

“Qual futuro alcancei?

“Quantas vozes eu sou?”

“Cravei trilhos, vagões...”

“Fundei guias no olhar...”


São amigas, irmãs.

São amantes, suponho que são.

Três atrizes do sul:

Fio da trama a bordar a canção

De meninas do cais, 

Das mulheres na nau,

Dessas pedras rolando

E virando areal.

 

Três meninas na margem —

As meninas mulheres no mar

Refletidas estão,

E se vão estrelas acolá.

Marés altas de sal,

Correntezas de amor,

Acrobatas do chão:

Três Marias no ar.


As meninas celebram, cirandam 

No sobrado, na gare, na estação.

Construída entre conversas e sonhos,

Pavimento de estreias sem temor

Que revela o convés inesperado.

Três meninas na gare, em sobressalto,

Já suspeitam do fato mais secreto

Que, ao fado de um futuro destinado,

O porvir que as espera vai com elas.

. . .