pelo direito de usar a palavra
literalmente em modo figurado
literalmente a única palavra
à qual esse direito não é dado
. . .
pelo direito de usar a palavra
literalmente em modo figurado
literalmente a única palavra
à qual esse direito não é dado
. . .
O Tomé me disse que eu tenho uma coisa de adicto
e desde então eu tenho vontade e medo
de jogar no Tigrinho
Alguém me disse que o último livro de poemas da Adília Lopes era
[uma coleção de pensamentos
A pessoa não me disse exatamente isso
mas agora é assim que eu entendo
e acho bonito
Se eu o tivesse feito a tempo
também assim teria sido o meu livro
Mas agora já é tarde
Todos os meus versos antigos
sinto como se fossem pensamentos perdidos
Vi ontem uma influencer dizer que
embora se diga
que não se possa fazer um poema
com uma única rima
assim o fez Caetano nos versos de Cajuína
E eu concordo
Nesse momento mesmo poderia dizer que os meus ouvidos
guardam para si como que um som favorito
predileto entre todos, preferido,
escolhido
. . .
Se, como disse Saussure,
a poesia é a primeira ciência da linguagem,
a canção é sua mais profunda consciência
– da poesia, da linguagem
e de sua própria ciência –
e de muitas mais consequências
de sua abordagem:
sobre as quais estou muito certo
(so sure)
embora não preste para descrevê-las de modo correto
num texto escrito.
Portanto fechem essa página
– chega disso por hoje –
e me imaginem cantar bonito
. . .
Deixa disso
Ainda mais arma branca
que não tem fiança
Com prejuízo a gente já acorda todo dia
seja de dinheiro, o que for
Não vai querer adiantar a morte de um bezerro
por conta de uma dívida
Te falar uma coisa
já viu algum ladrão aposentado?
Bandido não aposenta
A gente não nasceu pra isso
Você vai e mata o cara
o cara é da facção
alguém vai comprar a briga do cara
Você vai lutar contra um exército?
Deixa quieto
. . .
Tenho medo de quem não tem medo de ficar maluco,
somos possuídos por nossos próprios significados,
por acaso vocês não percebem?
Somos reféns daquilo que dotamos de sentido,
mas vocês ficaram loucos
e se dão ao luxo de não ter a paranoia,
quer dizer o auto-monitoramento
que é relegado a fracos,
sitiados e poucos.
. . .
Para mim o poema de Régis Bonvicino
é apenas uma das muitas saídas
que sim você guarda
escondidas
. . .
Imprudentemente
pedi para a atendente descartar meu bilhete único antigo
com quem eu tinha tantas memórias boas
Imprudentemente eu voltei a escrever poemas
sem ter voltado a ler poesia
não tenho mais uma técnica do verso agora
Não sei se sequer tenho uma técnica de vida
que fosse capaz de me inserir entre os naif
como um artista
Embora tenha meu bilhete único novo
com quem eu tanto me empolguei que
imprudentemente
me livrei de um grande amigo
Meu companheiro lindo
aquele cartão não me saía do bolso
agora num saco de lixo
jogado entre outros
. . .
Ninguém fala em prosa:
uma fala é um fragmento
que lembra mais um verso,
um epigrama, que um parágrafo
Eu tenho estado sozinho
tenho pensado mais do que falado
e isso me tem jogado para a prosa
(a prosa é um discurso solitário)
Esse poema mesmo não surgiu para alguém
Surgiu no oco da minha cabeça louca
Por isso me desculpem essa sonoridade assim meio torta
rimas óbvias para orelhas moucas
. . .
Pela minhas bisavós
que eram analfabetas
pela minha mãe
que foi neta delas
devolvei à música
o que é da música
Tirai da folha a tintura
deixai a canção em paz
deixai o livro em página
deitai fora vossa roupa
e vamos à praia
. . .
Assassinaram o boi mansinho
Foi a igreja ou a polícia
Não sei disse ele
com aqueles olhos anarquistas
de quem sempre traz
tristes notícias
Disse Oswald Barroso
num vídeo que assisti
O lugar mais lindo do mundo
é o Sítio do Caldeirão
O poeta ressentido Frederico Barbosa disse
A rima é o mais besta entre os recursos poéticos
o slam é pobre em experimentação estética
Disse a professora universitária Viviana Bosi
Ana Cristina César não gostaria de slam
Os islamistas não lêem Drummond
Minha amiga Janaína Rosalen disse
Ana Cristina César é a culpada pela consolidação dos versos com letra minúscula na poesia brasileira
. . .
My poems burns at both ends;
It will not last the night;
But ah, my foes, and oh, my friends—
It gives a lovely light!
. . .
O Brasil não existe
menos do que uma cadeira,
mas sobretudo uma cadeira não existe
mais do que o Brasil,
e, se o Brasil não existe,
eu não me sento sobre uma cadeira
e se eu me sento
sobre uma coisa criada por gente
também podem ter criado o Brasil
a partir do chão em que piso
não apenas teoricamente,
embora não todo mundo,
embora sobretudo
um tipo muito certo de gente
para quem o Brasil existe
figurativa e não apenas tematicamente,
pois há coisas de carne e osso, e outras coisas
com outras propriedades de corpo, ah
esse papo de que o país em que vivo
não existe ou não é figurativo
já está me deixando louco
. . .
Faz tempo ouço
rumores de mudanças climáticas,
como já te contaram das minhas
mudanças de humores,
mas é porque nunca há
a resposta dada e imediata,
como quando você se ri
e eu acho graça
e, em outras vezes que você ri
e eu sinta que de mim,
eu sinto raiva,
como nem sempre de chuva,
hoje, essas nuvens negras
são na terra da garoa
para nós um signo de fumaça
. . .
Não tenho tique
eu tenho TOC
Tenho fobia de buraquinhos escuros
Tenho medo de pensar no futuro
Eu apaguei o insta
mas continuo num poço
fundo de onde não se diz
terra à vista
e nem por um instante
eu sorrio
Não me faz rir
sequer o vídeo da vovó vegana
não me divirto
nem com o rato dançante
. . .
Perder Socir
Aprender Sociurre
Je l'ai perdu aussi
comme un sorcier
Também não tem mais "bruxo
de Juazeiro" "mais não,
não tenho ritmo mais não"
não sou mais mago das palavras
Eu tinha tão pouco
e mesmo o que tinha me tiraram
"Aujourd'hui mamain est morte"
Minha antiga pronúncia de Ferdinand de
Saussure est morte
Já é morto João
. . .
Se você soubesse
quanta coisa na vida a gente aprende olhando para uma parede branca
se você tivesse paciência
de meditar sobre essa frase
sobre a parede branca
você poderia pensar em tudo o que não diz nada
até aprender o que não se diz nunca
feito essa frase
feito uma parede branca
mas antes você se cansa
e se levanta
. . .
De versos
os poemas são antologias
Tenho aprendido a aceitar
a poesia confessional mas
também o ódio à poesia confessional
Sob o signo de Confúcio
tenho me tornado mais brando
Há diversas coisas
que se produzem como poemas
Há muito preto no branco
de uma página que não é poema
e não há problema
Assim como nem tudo é preto no branco
Assim como é difícil de reconhecer como verso uma linha que se extenda
tanto
Diversas coisas
recortadas
pelo branco da página
nos comunicam
São como yinyang
são como listas
Hoje antes da análise
na antessala sobre o caderno
eu escrevia:
Encerramento
briga com pai
vontade de falar de outras coisas
produção de diferenças
pessoas mais velhas
Provas
fim do semestre
tranquilidade
animação
Gabe
amigos o tempo todo
trocas
me ver como branco
me ver
. . .
Dizem a poesia salva
A minha condena
Não sei se porque
não é poesia
mas condena
Ou apenas porque
sou polêmico
condena
Mas sei não não é
apenas a minha
Nunca a poesia
salva todo poema
condena
Não acreditem
no que lêem na internet
crianças no que lêem
nos livros adultos
Isso de que a poesia salva
é o verdadeiro problema
. . .