Entre o bem e o mal
o banal
que começa com b de bem
termina com l de mal e
no meio
tem o nome ana
que é o da minha mãe
que eu adoro
. . .
Entre o bem e o mal
o banal
que começa com b de bem
termina com l de mal e
no meio
tem o nome ana
que é o da minha mãe
que eu adoro
. . .
Boi boi boi
Boi da cara preta eu vim
eu cheguei eu vim pegar vocês
Boi — Bu
Vou te apresentar a uma aula de poesia
numa grande universidade
da América Latina
O professor diz assim
pensem com que surpresa a década de bolinha leu esse poema
eu penso
quero um poema lido com nenhuma surpresa pela década
Tem mais professor dizendo o escândalo
a genialidade
e a gente querendo — o comum?
a intimidade?
— apagar o fogo o artifício —
A gente querendo uma poética: poética
— fim das literaturas —
Não queremos clássico da literatura negra não nenhum
por favor o fim dos clássicos e das literaturas
Infelizmente o livro daquele humanista italiano não nos tocou
Infelizmente as luzes daqui são insuficientes à noite
E quando vejo no ônibus um desconhecido de bigode espesso
à minha revelia sinto tesão
A gente à noite sente melancolia
Faz escuro ela prega gostoso na gente
não... e não só nos poetas
Não temos notícia de fantasma pelo corredor de cá
Será que alguém esperou um dia todo o prédio se apagar?
Pensamos
nesse instante cessou a profissão do poético
ficando poética qualquer?
Poética nem velha
poética velha não
Nem nova
o novo... é velho já
Deixa a gente fantasiar aqui
Noutro dia os catedrais me leem
me chamam de arrogante
(eu não entendi nada e tenho recalque de compositores populares)
pronto pro combate keep calm
Mas um professor sim uma ela vê a gente ele vem
com que roupa?
Ela trama com a gente uns cipós
suspenses dos outros mundos que já se gestavam
Devagarinho eclipsavam e já haviam transposto
o lado de lá
Atravessaram a ponte
disfarçados em varejas, heras, em cupinzeiros e
— olha só que escândalo —
surpreendiam o professor
brotando por dentre a madeira do tablado
mbá
. . .
dia estive no Leme
por visitar ela Clarice
ela a que quis me fazer fitar
parando em frente a ela
ela que sempre esquivava com olhos
perdidos de contra mona lisa bem dura
Clarice olhos duros da Mona Dura Clarice
olhos de bronze
olhos de louca que não fita
porque está em outro lugar
no Leme Clarice passou ao largo de mim
fui ao Recife buscá-la
no Recife em pleno largo tomava o sol
e só olhava larga para o Sol
tinha o acesso ao ouvido pelas orelhas tapado
com certeza de tão certa ela olhava
de tão pouco me respondia
de tanta frieza na pedra ou metal
em que mesmo estátua Clarice
sabia a verdade do mundo anti-estático
concentrada demais
para pulverizar mais
no estado sólido da matéria
dinâmico e dinâmica da matéria
que o calor conduzia e absorvia
e que me queimava me obrigava a lembrar
sensível a vida teimosa da minha célula
e a gente cremou Clarice?
alguém responde
para eu poder respirar muito e rápido
para eu aumentar as chances de
um dia
uma cinza dela
os meus alvéolos
dela Clarice
que conseguiu ser desfeita
e voltar Dura pós queda
pesada mas não a ponto de que não conseguisse
fugir de mim para ensinar
que enquanto eu quiser
Clarice cá estará lá
Clarice quando eu no Leme
visita Recife e estará no Leme
quando dia estiver em Recife
Clarice
da gente que interessa quando é mais gente
e menos a gente
serei menos eu da próxima vez
para ver se haverá
o que possa interessá-la
e interessar lá
. . .
Eu deixaria de contar lorotas,
se o meu Tio Batista batesse as botas.
E mandaria benção a todas as devotas,
se o Tio Batista batesse as botas…
Se o Tio Batista batesse as botas,
só sagradas anedotas:
notas certas, sábias rotas.
Adeus aos ignotas idiotas.
E tudo que o Tio me pede é filho,
não bata as portas,
de porta aberta coma xoxotas.
. . .
Pupila, íris — eu as descansava,
fechadas ao quase afago dum ônibus que chacoalha,
eu pensava
nos capibaribes…
A minha pupila — a íris —
formava uma imagem terna desses capiberibes que não cheguei a conhecer…
Um dia,
quem sabe
– quem saberá o sonho mentado
pelas pupilaíres das mais Laires sentadas?...
Ao meu lado, uma Lair sentada
pensará num Capibaribe?...
Não se chamará Lair… Terá seu próprio nome…
Seu rio será o Nosso nome.
Vamos pensando, vamos...
Vamos fechando os olhos
— pupila e íris…
As duas:
sombras de capibaribes
mas pousadas nas mais-que-laíres
também fechadas
que despertam com uma certa raiva...
. . .
Eu vou falar a verdade. A vida, que me deixem cá com a minha — não preciso traduzi-la, vai indo bem, obrigado. A confissão é de outra ordem. Eu falo aos meus colegas; e se falo aqui aos meus leitores peço que me leiam esses colegas, um tipo específico de poeta que se revolta e diz que isso que faço não é poema não é bem assim e assim é a vida, assim ele vive a vida e lá aos outros apenas a exibe disruptiva impressa na página, contra as belas artes e também contra a própria poesia, diz que faz outra coisa, sei lá não sei, alquimia. Sabem lá não sabem, esses daí, que quando se joga um jogo não se furta às regras quem rouba ou vira tabuleiro. Um War supõe a trapaça, a dissimulação dum irmão mais velho, para operar; um War pressupõe a histeria, o descontrole do mais novo, para se consumar. A war se impõe como lógica desde que admitida a entrada de sua caixa na sala de se estar. Tal qual para o eu dizer qualquer coisa no seu idioleto eu-de-lira há que já estar admitida a lira. Eu disse pro Picchetti no ônibus lotado: não se trata de exceção, o estado é de exceção. Ele disse que ah Miguelzinho então anda lendo Agamben. Não, seu animal, estou lendo o mundo. E aqui o tecendo por uma forma de escrita. Aproveito para contar uma história que pouco tem que me ver comigo, com que não me identifico, e que não me reflete. E vou pô-la em meio a branco de página para que de-lirem:
Doze toneladas de chuchu
numa caminhonete de quinta
descendo a Serra de Estrela
a Ponte do Pontal
numa noite meio absurda
As doze toneladas divididas em múltiplas partes
contêineres a fora
Algumas estão na China
O todo
O pau duro
Umas dívidas
Isso embriaga o motorista
O motorista para
dá um tiro pro nada
Compensar as aporias
Nada coisa nenhuma
Tinha eu aqui, viu
Me acertou
Desculpa, moça, não vi
E morreu
. . .
Tem raiva Chiquita?
que no séc. XXX não vai ter quem decifre?
hermetismo e filosofia?
escritos no nosso próprio cuneiforme?
Vc morre de raiva
Eu entoo minha cantilena
Ninguém me vai ler
Nem ninguém me lê
Ninguém me vai ler
Nem ninguém me lê
Ninguém me vai ler
Ninguém me vai ler
Nem ninguém me lê
Ninguém me lê
Chiquitita no apocalipse
é doce morrer de alegria
. . .
Certa noite não se puxará ar — para gastá-lo de novo.
Um dia a música metida a deus — acaba como quem arfa o gozo:
no instante posterior à porta batida — às mãos postas sobre o rosto,
instante anterior ao eu te odeio — mas posterior à próstata
quando nos diz te amo — e cala o vazio de nenhum acorde.
A briga eterna não saberia a eterna sobreposição;
nela entrescuto alguns momentos de silêncio,
e, nunca sob tensão, um silêncio
igual a todo silêncio
!
É óbvio que para Maria Bethânia
26.1.2022
Naquela atriz a mão no ar
depara o gesto com o gesto
e depura o resto;
fica com a matéria
nosso registro único,
o falso.
Só no teatro
quem vê aquela atriz
distingue da falsidade seus tipos,
aceita:
depois daquilo tudo quer ser
se bem que não tão bem
traçado no palco.
. . .
no primeiro andar, amores...
No segundo, só dores...
No terceiro, uma escada rolante que passasse pelo primeiro,
daí voltasse pelo segundo através duma sala toda espelhada,
de pé direito alto,
pé direito tão alto que poderia alcançar
um espaço integrado à Rua Marquês de Sapucá
por onde se fará entrar, caso queiram,
diretamente em nosso terceiro andar:
de conceito aberto,
encanação exposta
e piso industrial...
No quarto, ah que lindo,
um terraço: flores...
. . .
ilustração pelo Antonio Yudi
Mijaram ali um ano atrás.
Há dois dias mijaram
bem ali. No mesmo ponto
estão mijando agora.
As folhinhas continuam dispostas
uma trançando outra
em torno da extinta poça seca.
Sabem, sinto que guardam,
a memória do mijo
ou pelo menos sofrem
a memória do mijo.
Aquilo nem chega a ser
memória, se chegou
já foi e é só
agora
decorrência de tudo
murmurando claro:
estive aqui
vocês não sabem.
Essa é a pior das vinganças…
Aquilo não é esquecimento.
Está tudo dentro.
Nem se perdeu: não há mapa.
Não é cicatriz
se não conta da queda.
Aquilo é
na recorrência do nada que ia,
do nada que já é um dia
e sinto que segue
produzindo mijinho:
farfalho de folha
pra traçar o caminho.
. . .