NA LÍNGUA MORAL (A LÍNGUA DO CAPITAL)

para Elaine

Marilyn loved to buy

Tifannys, Cartiers and Gorhams.

Indeed I prefer her

who said

to prefer diamonds

but sat

in the first line of Mocambo

so as Ella could present

where she wasn't allowed to

at that time.

A lot of people say instead

they prefer people

than diamonds.

No,

but they don't do

what she silently did.

Yes,

I don't buy it.

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OVO E GALINHA

 

O que veio antes:

o ovo ou a galinha?

A relação entre som e significado

é motivada pela poesia

ou pela motivação já existente

entre som e significado

é que se pode fazer poesia?


Venho frequentando bastante

as páginas do meu blog.

Acredito que sou

meu mais frequente leitor.

Acredito que o autor

que leio mais frequentemente

sou eu. Quem veio antes:

o ovo ou a galinha?


Estou tentando descobrir

um ritmo certo

para a medida de cada verso.

Se não fosse o som

a página seria um deserto.

"Nunca confundam causas e efeitos:

o problema do Brasil é a elite letrada

e não os analfabetos."

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BRISA

 

Na casa de Fernanda Maria Rosana

não sobra fresta em janela

Seu neto me contou há algum tempo

que é porque morre-se de brisa

segundo um provérbio italiano

contado pela velha

Hoje enquanto cruzava a rua

me cruzou um vento frio

Súbito me lembrei de Maria Bethânia

Pronto lhe imaginei cantando

vamos viver no Nordeste

Anarina

vamos morrer

de brisa

. . .

27ª PUBLICAÇÃO DO MÊS DE MARÇO

 

Quando enfim puderem comprovar que os signos não são de todo arbitrários, será importante medir a extensão que designa o som ma. Falo menos do significado também extenso de palavras como mar, mãe ou demais e mais da duração profunda de que se ocupou esse mês de março. E não consigo senão pensar no mês de maio.

Por que se tem raiva do tamanho de maio? Porque se tem pressa. E no entanto é preciso adiar a sua demora. Maio, quando não passa: só então traz suas grandes, largas, dilatadas mudanças, tão verdadeiras. Tão únicas de maio, tão próprias dele, tão somente para os que podem não vê-las: quando o tempo de maio vai junhando no ar de velas e balões rumo ao céu.

Sou levado a crer que têm ma as coisas em que entramos e, ao cabo de um extenso processo, saímos transformados; como o ar vibrando, que, pela boca fechada, sai do nariz até ser finalmente solto na qualidade aberta de um aSou ainda novo, mas, creio, quando puderem comprová-lo já estarei morto.

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CERTAS IMPRESSÕES

 para Luiz e Moti

Certos tipos de mosquito

deixam apenas uma leve impressão

cinza na mão e na parede

quando são esmagados.

Não se encontram mais patas,

antenas, asas; me pergunto

para onde foi aquele corpo

que pareceu apenas pulverizar-se.

Nesses momentos, fico

com a leve impressão

de que tais tipos de mosquito

têm alma. E deixo de matá-los

até que surja outro da raça.

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O LIRISMO DOS COVARDES

para o Chico 

Não se pode confundir a história feita a contrapelo com uma história que só compreenda resistências. Há sempre os que cederam, que não resistiram. Me preocupo com o falseamento de quem conte apenas a história da coragem. Perderá a condição humana fundamental da covardia. Adriana Calcanhotto por exemplo construiu sua obra inteira entorno da ausência de brio. Você tem brio? Ou, tão mais simplesmente: talvez porque não haverá mais corajosos se não houver covardes.

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A LINGUAGEM DA LÍNGUA

 

A língua é só uma — a que fala, a que beija. Assim não sei o quão se diferem de fato o falar e o beijar. Um bom beijo nos fala assim como em uma boa conversa as línguas se encontram.

Quando beijamos, a língua se lembra do exercício da fala: essa que beija é a mesma que o dia todo com a linguagem trabalha; e por que na articulação da fala deixaria de haver uma lembrança do beijo? Falar é tentar beijar com palavras.

Falar faz sentido. Não preciso nem falar que beijar também faz sentido. Verdadeiramente acredito que qualquer órgão pensa tanto quanto o órgão cerebral. Minha língua pensa: falando, beijando, na sua forma intercomunicativa, particular e prazerosa de pensamento. Na sua linguagem.

Mas então o que tentamos dizer durante um beijo? Nada mais do que já dizemos.

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TEORIA DAS CORES


O dia é

escuro

A noite é

clara


É: o

dia

a

noite


Por isso o dia denso

a noite fina


Como um dia

negro

que só a noite

ilumina

. . .

NÃO HÁ TEMPO A PERDER

 

Para Auerbach,

a literatura havia acabado.

Para mim —

com o perdão de ter justaposto

Auerbach e mim —,

peço licença:

a literatura acabou

de começar.

Não há mais tempo a perder.

Quando da publicação

do primeiro volume

da busca pelo tempo perdido,

era 70% a taxa de analfabetos

no país em que nasci e vivo.

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O LIRISMO DOS FEIOS

 

Cansei dos descolados.

Tenho preferido os colados,

com calos, e os calados.


"Eu não gosto do bom gosto"

"Estou farto do lirismo comedido"


Vi um vídeo chamado de cringe.

Era uma menina feia

fazendo uma trend.

Não chamariam assim

uma menina bonita

com domínio da técnica:

aparentemente,

consideram aqueles

que se adequam bem à estupidez

mais inteligentes.

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PARA CRISES DE GASTRITE

 

Chá de espinheira-santa

Um pouco de João Gilberto

— pode ser En México

É que o brujo é médico

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CHACRAS

 

Quando a gente

deixa a louça secando

depois de lavá-la,

ela fica com umas espécies

de manchinhas. Tenho tido

a sensação de insetos andando

pelo meu corpo. Tenho

tido brotoejas, acho

que de calor.


Às vezes meu celular para

de tocar música do nada.

A mola da porta

da minha geladeira

está meio gasta.

Ela não fica mais fechada.

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ÚLTIMA DESCOBERTA

 

O corpo não é apenas uma fonte de cognição; também ele está submetido a um mapeamento cognitivo. O nosso trato vocal só pode produzir os sons significativos da língua e, assim, organizar o mundo, uma vez que uma organização precedente lhe houver sujeitado — entre dental, labial e tal.

É aprendendo que se ensina. Mas não digo: é adquirindo que se fala. Não há aquisição possível, porque não há triunfo ou conquista.

Esse blog é meu diário investigativo. Pelo próprio princípio que me norteia a investigação tenho de reconhecê-lo.

O princípio: trazer à luz é encontrar uma pista.

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O SENTIDO OUTRA VEZ

 

Para Saussure, só tem sentido o que tem contraste. É como se ele dissesse: cresça e aparesça. Ou: quem não é visto não é lembrado. Mas não o imagino entrando num baile vestido de paetê. É como se, jakobsonianamente, eu o imaginasse com uma oposição mínima contrastiva, é como se ele surgisse na festa com um cravo aparecendo de leve para fora do bolso de seu terno, apenas entrevisto — ou entrelembrado? E eu sinto esse cravo opondo-se à falta mesma de um cravo no terno de outros convidados, crescendo.

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EM VERSO FIXO, OU FLUIDO

 

Tudo que a escrita controla

a leitura descontrola

Não sei pensei isso agora

como se estivesse fora de moda

contra a letra haver revolta.

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DE UM ALUNO


Henrique é um pré-adolescente de 11 anos. Tem aulas particulares comigo há algum tempo. Na aula da semana passada, escreveu um poema. Normativamente corrigi alguns fatos de português junto a ele, e, no mais, o poema está aqui como ele o fez:


Uma menina chegou em uma cidade.

Ela não sabia de nada.

Absolutamente nada.

Nem as coisas mais simples.

Essa menina chegou a um menino.

Ela perguntou: o que é um raio?

O menino respondeu que é um choque

que vem de uma chuva mais forte

chamada de “tempestade”.

Mas ela não sabia nem mesmo o que era chuva.

Era tudo tão estranho...

Ela se permitiu perguntar ao menino:

O que é chuva?

Gentilmente, o menino respondeu:

É um monte de nuvens que começam a soltar água

Do mesmo jeito que você solta lágrimas.


Henrique quis saber por que, quando eu li em voz alta, o poema pareceu ser tão melhor do que antes ele achava.

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ALÉM DA CELULOSE

 

O verso não é a vida,

a vida se esconde,

ela está na quebra

de um verso, no verso

de uma página,

nas gavetas, não no livro

mas nas quinas de uma estante,

é o descanso dos olhos,

a cesura, a embocadura,

está no respiro, num suspiro,

ela não é tudo, não é

totalizante: da vida

a vida é apenas um instante.

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À ESPERA DE QUE ME LEIA

 

Totô, eu ainda acredito que é possível conhecer

alguma coisa.

Não só possível como desejável.

Totô, o meu desejo me desloca

e meu lugar não me basta ainda.

Parte do meu interesse pelas coisas

me ensinou que os estoicos e os cínicos

tinham filosoficamente muito em comum.

Adjetivamente também o tem,

mesmo hoje em dia,

eu acho.

E não admito dizerem que

o pensamento nos afasta da vida real.

Não se o pensamento for vivo.

Não se ele for real.

Não vêm a conhecer outras ideias,

outras pessoas, chamem como quiser,

outras culturas?

Pensando o mundo um xamã faz chover.

Com isso aprendo tão mais sobre

a chuva: chego até a senti-la

diferente sobre o meu corpo.

Nunca foi preciso esquecer do corpo.

É uma questão para mim necessária:

se não pulso creio que estou morto.

. . .

CONVERSA

 

Meu pai me diz

a gente não tem ideia

dos processos evolutivos

pelos quais estamos passando

enquanto humanos

agora neste momento


Eu respondo

a gente não tem ideia

das transformações no português

às quais damos origem

enquanto falamos

agora neste momento


Minha mãe

meninos não briguem

Mas não era uma briga


Minha irmã

a gente não tem ideia

de quando uma conversa

entre o Mimi e o papai

pode-se tornar uma briga

a qualquer momento

. . .

FOGE DE MIM (tradução de Vete de mí)

 

Tu,

Que enches tudo de alegria e juventude

E enxergas vultos numa noite à contraluz

E ouves o canto perfumado do azul,

Foge de mim!

Não te detenhas a olhar

Os ramos mortos do rosal

Que se desmancham sem dar flor,

Olha a paisagem do amor

Que é razão de se sonhar e amar...


Eu,

Que tive armas contra toda a maldade,

Tenho as mãos já tão cansadas de lutar

Que nem consigo te agarrar:

Pobre de mim!

Serei em tua vida o melhor,

Só uma névoa de outrora,

Quando estiver a me esquecer,

Como é melhor o verso agora

Que não se pode reviver...

. . .


"A ARTE E A POLÍTICA SÃO DEMAIS PARA UM SÓ HOMEM"

 

Discordo frontalmente de José Miguel Wisnik. Não há o menor interesse em João Gilberto ter apresentado um compósito melódico etc para uma possível definição de Brasil enquanto qualquer substantivo abstrato. Meu Deus do céu e por que diabo falar em Brasil? João é necessário porque encanta nossas serpentes. Não é "civilizar" — oi? — nada, não.

Há quem diga fala em magia como quem lança mão de noções do tipo "mana". A quem o diga eu respondo: o signo excedente, noção mana, é sempre essa ideia enxertada de Brasil.

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EFEMÉRIDE

 

Escrevi quase cem poemas

em página de papel

em página de blog


Não há um que preste


Tenho muitos amigos

de carne e osso


Boto minha mão no fogo

por quase todos

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UMA COISA QUE NÃO FAZ NEM UM SENTIDO

 

Uma coisa que não faz nenhum sentido: dentre as coisas que li sobre o sentido, a que mais fez sentido estava em um manual de semântica formal feito instrumentalmente para cursos introdutórios de graduação.

A linha teórica – analítica, fregeana – não me agrada nada. Afirma que unicórnio não tem referência e ao escutarmos uma sentença o que buscamos é um critério para chegar ao seu valor de verdade. Mas, porque lá li o significado é o veículo que conecta a expressão com o referente, externo à linguagem, me fez pensar que o sentido é a experiência tida pelo sujeito ao encontrar-se com o mundo. Tanto mais se, por inversão, a ausência de sentido passa a ser o desencontro. De onde, em uma briga, reclamamos isso que você fez (ou que você disse) não faz nenhum sentido! Não nos encontra: nos afasta – do nosso próprio mundo.

É verdade que aquela do livro não foi a frase na vida que mais se fez sentida; o que responde já à verdade de outra palavra, sentir. No lugar dessa frase, poderia escolher, por exemplo, com a bênção do nosso Senhor, o sol nunca mais vai se pôr.

A conexão realizada pela rima faz sentido e faz sentir como faz pouca coisa no mundo. Estou começando a pensar no sentido como uma sensação de união, uma sinestesia, estou começando a pensar nos cinco sentidos.

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PÓS-NEOREALISMO

 

Sigo a máxima hiperrealista

tudo de que falamos é real

Por irremediável realismo

uma vez que se fala em Deus

não negociamos a sua óbvia realidade

É implacável a nossa doutrina

e a de dragões inofensivamente reais

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CASAMENTO JAPONÊS

para a Alice 

Eu sou uma senhora japonesa

Não digo fui uma senhora japonesa

como em vidas passadas

ou algo assim

Sem dúvidas não o escrevo

Não digo

não escrevo que me sinto

uma senhora japonesa

É uma auto-identificação

Eu sou

porque de tal maneira

me identifico com aquelas

com que cruzamos na rua

nós duas

que somos ambas

e isso para mim

é já uma forma de auto-identificação


A única crise existencial jaz

na fantasia de casar com uma outra de nós

mas bem mais nova

bem tão linda

sem saber se isso faz de mim predadora

além de sapatão

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NOT A LOVESONG

 

Whenever I'm in peace

you come along.

Why can't you, please,

just leave me alone?

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POR QUE DIZER?


Não o que quer dizer

Nem "como quer dizer"

como diz Daniel Pennac

Mas por que quer dizer

Ou: por que dizer?

Ou: por que sempre falar

em Brasil, José Miguel Wisnik?

Não sou mais antológico

Voltei a ser polêmico

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VERSOS

 

Versos que eu gostaria de ter escrito

Reverencio a tua beleza

Física também mas não só

Versos que eu gostaria de não ter escrito

Versos que eu gostaria de ter escrito

Mas me recuso a escrever um poema

com versos como

A cachoeira reverbera

As folhas farfalham

e já não sei mais

se o fiz?

Para não dar palanque

para louco crescer

como a gente faz?

Fala ou cala? Não escreve

nem descreve?

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FALO DO AMOR

 pois nada jamais é perdido

Claude Lévi-Strauss

Imagina

viver uma vida

sem a percerpção química

que do açúcar tem as formigas

Está aqui


Para mim

não foi na perda do narrador

o declínio da experiência

Para mim pode ter sido

nisso

nunca ter enlouquecido

com a quina melada

de uma mesa ao entrar na sala ou

antes

nunca ter ido em direção à sala

suspeitando do melado

já no quarto


Ou jamais também

Porque sinto que tenho várias experiências

E não falo de experiências

que o Grand Hotel oferece

aos turistas na Tailândia

Falo de amor


Que me importa se um autor

cunhou o amor?

E se outro declarou

a perda da experiência

tive experiências

envolvendo o que eu e outros

muito depois

entendemos por amor e raiva

E o ódio me foi formativo

E o riso

mais do que a aura


Me lêem mal?

Não há polêmica

Dentre os lugares que já visitei

o que mais me emocionou

foi o memorial a Walter Benjamin

em Portbou, Cataluña

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