por detrás. O prefixo ficciona um fim:
querer só o croc da maçã crocante
é tão feitiço e alienação
quanto muito apraz tê-la
tão crocante. Tudo coexiste:
toda frase é simultânea.
. . .
por detrás. O prefixo ficciona um fim:
querer só o croc da maçã crocante
é tão feitiço e alienação
quanto muito apraz tê-la
tão crocante. Tudo coexiste:
toda frase é simultânea.
. . .
à hora rara
ora
não rato
passe por dentro do não
esgoto e nos negue
ai, ratinho, ratinho
nos nega, nega nega
. . .
Não pôde a lápide dessa efígie resumir matéria em epitáfios. Cumprirão a tarefa futuros vermes que esquecem de roer os nomes de alguns e vão criando tradição sobre duas letras certas de si, recém libertadas de tinta, massificadas e só prospecto duma relação fantasiada.
Em miloutros sentidos conforme o saber velado de que tudo revela e sente, se é ou não ficção, se compreende.
. . .
#3
Pois que o sinhor, sim o sinhor, o sinhor só levante a mão e dispare — Millenial! — acaso sentir-se muito seguro em não confessar o fracasso total de sua geração. Apenas não lhe acuso, que sinto exatamente isso sobre estes a que pertenço.
#4
Jornalismo dá tédio: para curar noites de indigestão, melhor ver o impedimento de Dilma Roussef, muito mais parecido com um filme triste. Disponível na plataforma que admiramos por nos fazer deitar de lado determinismos tecnológicos e reconhecer virtudes na rede, o filme fica terrivelmente trágico a partir das três horas, 43 minutos e 42 segundos, aliás, quando de fato começa. Insisto: jornalismo dá tédio, é literariamente que o documento deve ser visto apesar de não ser construção de nenhum gênio, chamando na ética e na política por uma inevitabilidade do que recentemente se descobriu ser a mentira do querer l'art pour l'art.
#5
De noite, a rua, vazia, e a jovem mascarada que se dirige a uma cúmplice e grita, ainda distante, para o ermo que as conecta:
– Estou mal, na medida do impossível.
uma parada:
um farol de luz a iluminar
e partir o som do m-
sentado
tece a rede
traça o real sem prumo
sentindo
o vento esquecendo o vento
vento vento vento vento
o vento através da travessia
. . .
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#1
Todo ato que realizo é pensado e projetado para ser lembrado pelo esquecimento de mim. É a sucessão deixada pro aprendiz nenhum dos meus feitos vazios. Mas toda escolha nossa consegue ignorar qualquer ideia de passado e futuro e, à sua vez, propõe-se ser migalha e fermento da Vida sem que se entenda a glória do poder ser esquecido. Por consciência disso, amo aos vermes todos, sei que vencerão sobre mim: realizo todo ato com ponderação e inocência, pretendendo a segurança de lhes ser assim digno de apagamento.
#2
A escrita dessa carta é já um ato cruelmente fatual buscando atolado o que me é redundante, o que é redundante a quem lê e redundante ao homem mesmo, a crença na ideia de que crer agrega valor, de que basta escolher para viver a vida, sem ser necessário antes sabê-la.
pra quem tem pensamento forte, o impossível é só questão de opinião
e disso os loucos sabem, só os loucos sabem
É necessário expurgar, talvez não para todo sempre, senão momentaneamente, a expressão na medida do possível, é preciso que todos os homens e mulheres tomem consciência dessa estupidez da língua. A felicidade de hoje é sempre desigual da de ontem. Conhecem eles alguém em qualquer época que viveu algo na medida do impossível? O realizado, qualquer que seja, enquanto coisa real, foi sempre o possível.
Podemos compreender, diante da realidade distinta, por que se sinta a necessidade de explicitar esse horror, insistindo na redundância existencial de estar na medida... Nem por compreendida deve ser aceita essa farsa, quando poderíamos, em vez, dizer: estou mal por este mundo de merda ou estou bem e o mundo? anda uma merda. Sem o mas anda uma merda — mas é outro vício da língua, aqui odiado especialmente, porque mesmo eu o emprego tanto. Mas nada, tudo e. É fútil dizer há mais de um genocídio em curso mas ainda assim consegui encontrar felicidade; é que as chacinas acontecem, a gente se detesta por elas e alguns de nós são felizes, nem por isso mais ou menos indiferentes ao que ocorre. Se eu fosse feliz, diria há muitos que apanham fisicamente, isso me entristece e eu sinto felicidade: não em razão de surras, por uma outra.
Enquanto que a expressão na medida do possível é duma estupidez (pois que escolher falar está tudo bem, em vez de outra afirmação, é um ato que conta mais sobre a própria decisão do que se abre para a verificação do decidido), mas é de um moralismo absurdo — e o pior: não significando, assim, que se é mais engajado pra com o que se opõe sintaticamente.
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E lavei a louça e deitei com o vizinho e dormi sem tomar banho, porque era gasto de água à toa e gosto das sensações que pregam. Todos os dias foram isso, figurinha e Rubem Braga porque sou mecânica. E mais outras coisas já que sem perceber fico assim, como quem lê e quem está escrevendo: rasa, escura, tatuada. Na base de escola e bofetada, porque tudo se repete e porque não sou Rubem Braga, porque ele tem prestígio e eu tenho louça, vizinho e uma folha de papel.
Busquei bem a compensatória: Rubem Braga haveria que caber no álbum. Mas a vida é muito pão, muito queijo e muito masca e cospe para álbum ficar dando modelo. Nas fotos se revelou apenas um pária, um padre, um padeiro. Não – é para isso que servem os grandes, glória sem glamour? Não, a mim, me basta ser larga: um canal tem dezoito centímetros, então principia o organismo. Ainda não conheci inteiro o professor, mas sei o tipo. Sei que não passa a noite no conjugado e nem dorme cabulando banho. Rubem Braga foi uma sentença.
O corretivo? Simples; foi, como foi. Amanhecendo, entrei no primeiro sebo que vi, pedi a revista mais antiga e, já na primeira página, estava lá estampado: Cuquita Carballo. Não a conheço, no google existe apenas como imagem. Recortei convicta. Se for para ter modelo, será rumbeira cubana. Só assim que me soo literária: suada, num corpo a corpo, anônima.
. . .
Na bandeirância: relva, selva. Uma fonte secando, um conta-gotas, palpitações. O que fazer quando se nasce com uma natureza ruim? Um composto orgânico, quando os compostos tóxicos, minando por dentro, destroem toda a fauna e flora que habita sua natureza. A minha natureza. Com que fauna? Aquela ave que pousou em meu ombro, depois de alguns dias morta, a dissequei para ver o quão se putrefazia.
Está viva. Horrorizada, a ave foge como pode. Tripas partindo; no chão, tripas virando lagartas que crescem e queimam. Nunca dissequei uma. As aves, só quando vivas no meu ombro sem que eu as perceba. Foi pela assimilação de naturismos que aprendi a falar, e foi de você, lagarta. Com você, que me odeia. Se fossem todas como você, será que dissecaria as aves que foram a ponto de partirem tripas, e será que ainda assim me perdoariam enquanto me odeiam pelo assassínio? Quais as lagartas que também morrem em minha paisagem e em que dia o solo não foi tóxico?
— Terra.
Será que o sangue pulsando em mim tem sentido ou numa dissecação ele deverá fecundar para fora?
— Cinzas. É em razão da medicina que te declaram morto. Pela medicina, a imolação arde mais que o beijo da lagarta.
Mas para onde drenarão poluição e o que restará de fauna e flora numa natureza declamada extinta? Murcham de vez ou enfim desabrocham. Se notam, é porque as folhas caem em quintal alheio — se alguma ave sobrevoando houver de reparar. Quem me dera alguém lendo a carta sobre meu ecossistema. Aquela fonte não secaria em vão.
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