Caetano e suas canções de lista
Os meus poemas de lista
ou de antologia
— se entre uma e outra
não sei onde faz a risca
O Império de Caetano Veloso
não é um império
Uma lista é paratática
Um império é hipotático
e toda beleza que for anárquica
. . .
Caetano e suas canções de lista
Os meus poemas de lista
ou de antologia
— se entre uma e outra
não sei onde faz a risca
O Império de Caetano Veloso
não é um império
Uma lista é paratática
Um império é hipotático
e toda beleza que for anárquica
. . .
9 de fevereiro de 2024
O pau é um ser que diz: pau.
A boceta é um ser que pergunta.
. . .
hoje. Quatro horas densas.
Quatro horas dentro
da água. Quatro horas submersas
em reminiscência da bolsa materna.
Expectativa de vida de 80 anos
e depois disso outra vida eterna
embaixo da terra.
. . .
Clara diz
que não gosta de seu nome
porque denota uma
como
espécie de
— enfim,
vocês entenderam.
Mas, Clara
meu bem,
você é mesmo tão clarinha…
Cidade Universitária, São Paulo
23 de junho de 2022
*
Clara,
você não é obtusa.
Tranquilamente posso-lhe responder
como já o fizeram
Claro, Clara.
Seus trabalhos,
se de cinco a oito,
tomam sempre cinco páginas,
e há uns dias você disse
gostaria de me livrar do meu poder de síntese.
Você é Clara
mais do que porque clarinha
e sobretudo essa claridade
dentre as que a nomearam
é que lhe cabe assumir
ou resplender, ou refletir.
Rio São Francisco, Pão de Açúcar, Alagoas
22 de janeiro de 2024
*
Outra Clara.
Não clarinha,
mas uma preta de pele Clara:
uma Clara parda;
uma chiara oscura;
ou, segundo seu pai: mulata.
Para mim é Clara
porque me acende e faz graça,
porque se me faz farta
a luz que irradia de seu corpo e me mata,
porque é do que preciso
e basta.
Praia do Félix, Ubatuba, São Paulo 1º de fevereiro de 2024
. . .
Nem sempre nosso ressentimento tem a potência destrutiva de Bethânia em Olhos nos Olhos. Às vezes é ainda um arfar cansado e um tanto apaixonado, é não a ruína mas a fantasia de Miúcha ao fazê-lo. Bethânia pode ter a versão trágica definitiva de Olhos nos Olhos, mas nas vezes — e talvez seja a maior parte delas, embora não o queiramos — em que acabamos por acabar "not with a bang, but a whimper", é como Miúcha que nos pegamos cantando.
. . .
Me referi algumas vezes ao colégio em que trabalhei em 2022 e 2023 como minha primeira namorada: antes mesmo de ingressar presencialmente no ensino superior, foi ali que, ao estabelecer uma dimensão da existência que não mais me representava como uma extensão da família — tal como não deixa de ser, em certa medida, enquanto estamos no ensino básico —, o mundo teria me desvirginado. Na festa de confraternização desse mesmo colégio, em que me despedi de dois anos de convivência apaixonada, decidido a viver o que mais para mim se apresentava, revisitei o que disse e entendi que nossa primeira namorada é sempre a mãe, de forma que, em algum momento, precisamos deixar de amá-la para podermos descobrir ou inventar — se forem mesmo duas palavras diferentes — o nosso desejo.
Nesse dia, quando se encerrou a festa, pela primeira vez dormi com uma mulher, professora do colégio. Enquanto a penetrava, percebi que ela parecia um pouco a minha mãe pelada.
. . .
O ano de Pitel, de Pitú, de Alagoas
A década do piseiro
Em breve um século de Dona Morena
97 anos
A concordância
Vão dormirem
Duas turistas conversando
O filme dele é sobre a Ilha?
O filme dele é sobre Tudo
Outra vez Morena
Não conheço São Paulo
agora só depois que morrer
vou
espantar essa gente
com medo de arma
E o meu retorno àquela cidade
de armas penadas
. . .
31.12.23
Tire dos seus olhos
esse verde de Louva-Deus
Não me mate
Não me coma
Tira o verde desses ói
de riba d'eu
. . .
25.12.23
Virgínia
o que será que ela fará
a uma hora dessas?
Limpeza de pele?
Limpeza das gorduras acumuladas
sob a pele?
Lavagem dos doze automóveis
Lavagem de dinheiro
em mais doze automóveis
Nessa hora corta totalmente os carboidratos
enfim tempos de merda
A verdade sim rima
O problema é que em eras como essas
não há rima de verdade
não há rima possível ou certa
O poema sai assim xoxo
como se feito às pressas
e lhe enxertassem umas peças
Virgínia
musa às avéssas
. . .
4.11.23
Quem via pensava que éramos conhecedores comuns, conjuntos, coincidentes. Isto é o que eu vê-penso: os nossos saberes, o que a gente pensava e sentia, conhecidia.
É preciso amar as pessoas
Feri-las ferinamente também
se é o caso
com direção e endereço
– Marina Dias você é um urubu
*
Espanta teus males embora
Espanca, canta eles agora
e pule e pulse e expulse-os
logo pra fora
*
já falei com vc
vc quer o quê?
querê quero erê u ê
já falei de tudo
sobretudo eu com vc
. . .
Eis que reflui ao metalinguismo poético.
. . .
texto entre o
testamento o
testemunho o
testículo
Um teste
E se ao Deus dizer
faça-se a luz
nada — quem?
não se fizesse
Isso se entende?
Não sei quando me faço entender
. . .
A partir do poema "Nossa poesia não será burguesa ou não será". Publicado aqui com a liberdade que tomei de reescrever uns versos, adicionar maiúsculas e pontos — isto é, de controlar seu texto, porque pelo visto tenho visto que escrita é controle.
O primeiro amor homossexual
do meu primeiro grande leitor
disse da minha poesia
É burguesa
Meu primeiro leitor
disse do meu primeiro amor homossexual
Não é amor
Disse-lhe o mesmo
e talvez os dois estivéssemos certos
Os nossos primeiros amores
por sua vez
dizem sempre É burguesa
sobre a nossa poesia
Mas não
meu primeiro leitor e eu
que o sejamos burgueses
A nossa poesia eu não diria
É apaixonada
e nossos primeiros amores
homossexuais que são
deveriam notá-lo
Meu amor homossexual não quer mais nada com isso
Meu grande leitor cansou de notas biográficas
Seu primeiro amor segue dizendo burguesa
o que quer que seja
e eu amo a todos e lhes quero bem
. . .
1) Nunca há gente demais em uma foda bem fodida.
2) Nunca há tempo o bastante para uma despedida.
3) Ou "tudo o que vai morrer como se fora para dar-se", etc (no lugar de encerrar um texto, como este), e por aí vai.
. . .
O amor pelo próprio pai
quando me diz seu avô era um homem íntegro
O amor por uma mulher como minha mãe
30 anos por enquanto e lá vai pedrada
Ou o escravismo na proposta de Zumbi dos Palmares
Porque meu pai não é um herói
e recusa a maior parte dos heróis nacionais
Mas meu pai fuma charuto
o que lhe dá um quê de heroico
mais seu tom messiânico, como
o pensamento francês busca apenas adiar a sua morte e
é a morte da Escola dos Annales
Ele viaja a pesquisar tráfico de escravos
Em uma dessas viagens
minha irmã disse à minha mãe
era muito pequena ainda
que saudade do corpo do papai
. . .
11.10.23
Junior
te quedas in peace
baby por mucho tiempo
poesia brasileña will still
have its eyes bien cerrados
a todo lo que really maters
Tranquilo
viva a la margen
at a riverbank hurra
write or escribe
o mismo escreve
nobody will read you
é o que importa
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20.9.2023
1) O poema é o que se perde na tradução.
2) O mito é o que fica com a tradução.
3) A viagem é o que não se tinha na primeira versão e vem à luz após a tradução.
4) A viagem, por ser o que se ganha na tradução, só pode ser o contrário do poema.
5) A viagem é a traição do princípio conservador que norteia a tradução.
6) A própria palavra traição parece trair a palavra tradução. Entre as duas o que se passa é uma viagem.
7) Tudo aquilo que se esperava da viagem ainda não é viagem. A viagem é o que não se esperava.
8) A viagem é um fantasma que se projeta ao fim de si mesma. Por isso Clarice Lispector escreve em seu diário "Não sinto mudança de natureza, não sinto viagem!". Não havia ainda chegado ao cabo sua viagem à Libéria. Apenas pode haver viagem com o fim da viagem (e da tradução).
9) A viagem será sempre melancólica. Sua imagem só pode formar-se na partida.
10) A partida da viagem tem esse nome por através dela levarmos conosco uma parte do lugar de onde partimos. Viajar é poder carregar uma parte na partida.
11) Um coração partido teve sua parte roubada. Levamos conosco a parte dos corações que partimos. Como calvários.
12) Ao viajar ama-se outra parte, mas a consumação de sua traição será sempre impossível; amar a viagem é trair o existente em nome do existido: amor que se atualiza, mas só em torno e conforme dado um fim.
. . .
14.9.2023
O "Século de Clarice"
A década negra
O milênio do poké
Também o dia que não coube no poema
O dia que o poema não conheceu
O dia deitado para fora da página
O dia feito em pé contra o verso do poema
Mas mais falido do que fálico
Sem a falácia de um poema
O dia: não
Um dia: meu
. . .
Proposta:
Chamar blogueiro apenas a quem tiver a plataforma blog. A quem se chama atualmente de "blogueira" chamar de "historiadora" (devido ao uso da plataforma storie).
É uma questão tão necessária quanto precisa.
Viabilidade:
Proposta linguística verdadeiramente incorporada à expressividade e ideologia da comunidade falante de portuguesileiro, como o tupi de Policarpo Quaresma e o pronome neutro.
Diríamos que é um sucesso.
Signatários:
Miguel de Bivar Marquese (mediador de leitura, estudante, leitor de poesia, autor de poesia, blogueiro);
Antonio Yudi Pontual de Petrolina Ikeda, o Totô (japonês alto, quase um historiador, pintor de mão cheia, gravurista por ambição, marionetista por ora, sem dúvidas um baita blogueiro);
"Basta".
. . .
11.9.2023
Houve um tempo — e talvez seja essa a expressão fundamental do trauma, "houve um tempo", como eu diria que somos melancólicos, porque, crianças, escutávamos "era uma vez" — em que uma diferença me aparecia. Viajar era isso: poder conhecer algo que me negasse.
Mas eis que agora viajo e no entanto me carrego. Não o princípio da diferença — eu e outro —, o eu só pode ser o princípio de toda indeferenciação. Eu fala para um outro, mas é eu quem fala e te escuta, pequeno outro. Eu reúno e neutralizo o mundo em meu próprio tecido. Eu escreve um texto, mas eu não me quer. Preciso não lhe querer: eu, que não consigo deixar de ser brasileiro, que não falo nada desse dialeto da língua humana que é o holandês.
E eis que ao responder desta forma recrio meu próprio problema. O eu é o princípio da indiferença porque o eu é humano. O humano é o princípio da indiferença. Sem perder o humano nunca nos livraremos de nós.
Desejo apenas que durante dez dias eu seja holandês e desseja brasileiro do jeito mais terrivelmente desumano, ainda que envolva ****** ** ****** *** ******* **** *****. De forma a não esquecer jamais que ** ***** ***** ** ******* ***** *** **, ***** *** ****** ****** *** ****** ** ******. * ***** ** *** ******* **** *****, ***** *** **** ****** **, ****** *** ******* **** *****.
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