TEORIA MONOGÂMICA DA VIAGEM

20.9.2023

1) O poema é o que se perde na tradução.

2) O mito é o que fica com a tradução.

3) A viagem é o que não se tinha na primeira versão e vem à luz após a tradução.

4) A viagem, por ser o que se ganha na tradução, só pode ser o contrário do poema.

5) A viagem é a traição do princípio conservador que norteia a tradução.

6) A própria palavra traição parece trair a palavra tradução. Entre as duas o que se passa é uma viagem.

7) Tudo aquilo que se esperava da viagem ainda não é viagem. A viagem é o que não se esperava.

8) A viagem é um fantasma que se projeta ao fim de si mesma. Por isso Clarice Lispector escreve em seu diário "Não sinto mudança de natureza, não sinto viagem!". Não havia ainda chegado ao cabo sua viagem à Libéria. Apenas pode haver viagem com o fim da viagem (e da tradução).

9) A viagem será sempre melancólica. Sua imagem só pode formar-se na partida.

10) A partida da viagem tem esse nome por através dela levarmos conosco uma parte do lugar de onde partimos. Viajar é poder carregar uma parte na partida.

11) Um coração partido teve sua parte roubada. Levamos conosco a parte dos corações que partimos. Como calvários.

12) Ao viajar ama-se outra parte, mas a consumação de sua traição será sempre impossível; amar a viagem é trair o existente em nome do existido: amor que se atualiza, mas só em torno e conforme dado um fim.

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