Ontem, escrevia
No estado de vigília, a gente não sai da gente, a gente pra sempre mora num não morar na gente. Nada ganha pregnância. Se não durmo profundo, continuo com um resíduo de mim mesmo do qual devo esquecer se quero impressionar-me por alguma outra coisa. Se quero me sentir na Bahia preciso esquecer profundamente meu dia de ontem, de anteontem, e o de antes de antes de ontem, e o de antes ainda – na Bahia, em Sergipe, em São Paulo, em Minas –, preciso dormir fundo. Enquanto não durma fundo, continuarei nunca tendo saído de São Paulo. E eu preciso não me levar junto. Para que eu consiga me sentir verdadeiramente em outro lugar, preciso estar desacompanhado de mim. Mas talvez para isso seja mais preciso vestir muitas roupas que me despojar.
Mas e se de repende eu não quiser mais me sentir verdadeiramente em outro lugar? Se eu quiser me carregar sempre, levar-me a muitos lugares e, não estando neles, ver no que dá?
Talvez seja preciso então não sair mesmo do lugar, em lugares diferentes. O que me parecera tão assustador, que tinha me parecido a maior imobilidade possível. Se nem saindo do lugar para sair do lugar, então como? Pela habitação intensiva desse lugar. O máximo de possibilidades que eu puder extender nesse lugar em que estou. Para viajar mais e melhor: não trocar de mim, mas me levar, a fim de me obrigar a mudar. Apenas então terei mudado, sendo eu mesmo de formas diferentes.
Embora sinta sim algo como uma nostalgia das minhas antigas obsessões. Depois que se foi maníaco nada mais tem o colorido daquela noia. Como um vício. Meu pai tinha me dito: você vai viajando e vai querendo viajar mais e vai voltando mais apático. Até que as próprias viagens se me tornam apáticas.
Ou de repente eu esteja vivendo outra forma de luto. Não da mania, não da obsessão, nem da viagem,
quando me interromperam – estava um pouco afastado, sentado com o caderno no colo e os pés no mar – para brindar algo com uma taça de espumante. Brindei, tomei muito mais, me embriaguei, e agora nada daquilo mais vale.
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