PARTO PORQUE ESTOU DE SAÍDA


Tiro, do que me  a roupa ,

o que a guarda — da chuva ,

e o abro, como uma membr

-Ana

postiça, dele eu sempre esquecido.


Positivamente, um caso da lepra

 diz o doutor mas a doutora diz —

caso um do bilical,

pulsão de retorno ao líquido:

amniótico.


Pela sensação de água,

com sua como ternura,

semelhar má

terna aos pingos da esfera ex:


anamnese.

É o que entanto não se vê.

. . .

PESSOAL


Chovo todos os dias pelas manhãs em que dizem chove muito na capitalPor isso prefiro a forma chover intempestuositivamente à capital. Inexistir-me sujeito. Desistir de mim, sujeito presente oculto, se inexistente real: um, dois, três vezes singular. O que deixa-me água: infinitiva, sobrecéfala...

. . .

MEDITAÇÕES SOBRE A SENHORA


I.

Demonstrar,

isto é etimologicamente

monstrengar ao externo

 — da partícula latina de —,

a feminilidade ontológica fundamental

é simples. Demonstremos:

a) pente — masculino

b) adicionar a ele

o ele apenas

na definição substantiva,

essencial ser,

restringido a apenas

em produtos alquímicos

desvelar-se

em si c) serpente

(revelada).


II.

Para saber que na Bíblia

o homem se fez da mulher

é preciso colher o fruto à contrapelo.

Se a rosa é da roseira;

o limão, do limoeiro;

a figueira dá de si o 

— um figo.


Arqueologicamente,

é essa a árvore do conhecimento

e o trabalho uma vez que a ser pente.


III.

Como o que havia do nu naquela mulher nua

não era, não é e não pode ser homem.

Não falseio falaceio.

A masculinidade é,

definitivamente

não apenas por definição,

uma palavra mulher.

Da língua, enfim me reforça,

entre as suas, a mais verdadeira

palavra mãe¹.


¹Como a aparente neutralidade

das palavras estéril, virgem e fértil,

que tomaremos em futuros versos.

. . .

VISÃO DO ESPAÇO


Ele se afastava de mim:

era devagaroso,

sempre um tanto.

Mas quando rompeu mesmo,

e nada mais unia

(antes, era  devagar),

aí, foi  de repente.

Ali, num só,

num espaço vazio minha vida:

atômica, vidida.

. . .

um sonho*


Lá vai o bom japonês pelo campo de arroz

É certo que em hora certa

É certo que vindo do norte

Mas terrivelmente doce

— esta a sua importância —

no país dos doces de feijão


país de um envelhecimento sem açúcar

sem diabetes

O bom envelhecimento saudável

No país do respeito

O país do costume


Vai

como todo bom japonês

e ama o nome que os pais lhe puseram

ama o sobrenome que

pelo país lhe deram

Honra ajuda lavra

pelos outros

como lhe disseram

*Versos circunstanciais para Yudi Pontual de Petrolina Ikeda, que gosta razoável de seu nome e por isso pede um poema de preocupações étmicas.

. . .

DE CONTAS


Ana multiforme

me engole

eu bola de pelo

quando cabeleira gata

ou bruxa de um ser

penteado mais suas asas de

não sei não lufam ar quente ar

dente no nome que devia

de ser Jorge no fim quedando

Miguel para eu cair de tesão

por ela mas ela

não se pega se ela se

esfuma da coisa do Um

e se é dois a onda igual espuma

pois não tem divisão

nem multiplica o que

uma professora esconde dos alunos

a Ana demora e demole

mas sempre Amor permanece

feito cobra comendo o próprio rabo

como essa minha cobra

come seu rabo lindo

de Anacon

tínua

. . .

AS MENINAS NA GARE

por Chico Mieli

Com minha participação singela. Pelos cálculos, os quatro versos que propus, de 33, dão 12,12% da canção; em termos de royalties, conto que, se chegarmos a 20 milhões de reproduções na rede sueca, poderei comprar um Guaraná Antártica Zero.


As meninas na gare,

As meninas já vão embarcar.

Três poemas criando

Um só plano, um destino a selar:

“Qual futuro alcancei?

“Quantas vozes eu sou?”

“Cravei trilhos, vagões...”

“Fundei guias no olhar...”


São amigas, irmãs.

São amantes, suponho que são.

Três atrizes do sul:

Fio da trama a bordar a canção

De meninas do cais, 

Das mulheres na nau,

Dessas pedras rolando

E virando areal.

 

Três meninas na margem —

As meninas mulheres no mar

Refletidas estão,

E se vão estrelas acolá.

Marés altas de sal,

Correntezas de amor,

Acrobatas do chão:

Três Marias no ar.


As meninas celebram, cirandam 

No sobrado, na gare, na estação.

Construída entre conversas e sonhos,

Pavimento de estreias sem temor

Que revela o convés inesperado.

Três meninas na gare, em sobressalto,

Já suspeitam do fato mais secreto

Que, ao fado de um futuro destinado,

O porvir que as espera vai com elas.

. . .

QUEM TEM AMOR PEÇA A DEUS


Os com amor

desesperem-se despidam-se

dos que amor ignoram

pois quem tem amor grite

e se tem amor dispa-se

se despedace assim

clamando a Deus

assim em vendo amor ore

a Deus assim rogue

pelo amor chame

O novo reino que é seu já rompe

Ele rompe acudam pois ele rompe

Sobrevindo lá vem

cá — nosso amor

. . .

CONTRADUÇÃO

"Uma parte de mim

pesa, pondera:

outra parte

delira"


A parte de mim pondera

o delírio

e delira com a ponderação


Esse é o meu empoderamento...

1. De mim a parte

2. Em mim haver uma

talvez


a parte em mim que

a mim parte

aqui e

à parte

aquelas outras

atravessando-me também

. . .


GLOSA CARPEDIANA SOBRE VERMELHO


Tão breve a minha idade

se conforma com a nossa

que vou assim minando

a pedra vai

minando eu

a pedra minando

Num sulco

entrevisto da gente

um risco mútuo

Mas certo não é fundo

não é só fungo não

Líquen

Como o seixo revolvido

volve em sal

. . .

SÚMULA


Um ramo duas folhas

não bastam pra gente desenraizada

da vida desenraizada.

Não basta hortifruti não basta.


Então o campo esfria.

A brisa grita.

É o decepar de um cultor.

E vem o discurso ciência

segredar ao pé da nossa letra

a estância duradoura

da mexerica que nós partimos


e comemos  nós te

cheiramos te lambemos

há tantos anos,


que assinto cuma certa

pertença ao doce

da sua fruta, e me assento

no sumo do tempo.

. . .

AUTÓCTONE


Esse calor gente

Alguém me diz se esse calor é de deus.

Gente quem me diz

deus

e diz gente também

feito o calor

. . .

#7

Venham cá... Se a poesia é incomunicável, isso quer dizer pra vocês não me comunicarem que este tempo não é um tempo amoroso porque a modernidade e a fratura — silêncio, gente: o absurdo medita os seus versinhos...

RELATIVISMO DO BEM


Entre o bem e o mal

          o banal

que começa com b de bem         

              termina com l de mal e

no meio

tem o nome ana     

    que é o da minha mãe

que eu adoro                          

. . .

BOILINHA


Boi boi boi

Boi da cara preta eu vim

eu cheguei eu vim pegar vocês

Boi — Bu


Vou te apresentar a uma aula de poesia

numa grande universidade

da América Latina

O professor diz assim

pensem com que surpresa a década de bolinha leu esse poema

eu penso

quero um poema lido com nenhuma surpresa pela década


Tem mais professor dizendo o escândalo

a genialidade

e a gente querendo — o comum?

a intimidade?

— apagar o fogo o artifício —

A gente querendo uma poética: poética

— fim das literaturas —

Não queremos clássico da literatura negra não nenhum

por favor o fim dos clássicos e das literaturas

 

Infelizmente o livro daquele humanista italiano não nos tocou

Infelizmente as luzes daqui são insuficientes à noite

E quando vejo no ônibus um desconhecido de bigode espesso

à minha revelia sinto tesão

 

A gente à noite sente melancolia

Faz escuro ela prega gostoso na gente

não... e não só nos poetas

 

Não temos notícia de fantasma pelo corredor de cá

Será que alguém esperou um dia todo o prédio se apagar?

Pensamos

nesse instante cessou a profissão do poético

ficando poética qualquer?

Poética nem velha

poética velha não

Nem nova

o novo... é velho já

 

Deixa a gente fantasiar aqui

Noutro dia os catedrais me leem

me chamam de arrogante

(eu não entendi nada e tenho recalque de compositores populares)

pronto pro combate keep calm

Mas um professor sim uma ela vê a gente ele vem

com que roupa?

Ela trama com a gente uns cipós

suspenses dos outros mundos que já se gestavam

Devagarinho eclipsavam e já haviam transposto

o lado de lá


Atravessaram a ponte

disfarçados em varejas, heras, em cupinzeiros e

— olha só que escândalo — 

surpreendiam o professor

brotando por dentre a madeira do tablado


mbá

. . .