My poems burns at both ends;
It will not last the night;
But ah, my foes, and oh, my friends—
It gives a lovely light!
. . .
My poems burns at both ends;
It will not last the night;
But ah, my foes, and oh, my friends—
It gives a lovely light!
. . .
O Brasil não existe
menos do que uma cadeira,
mas sobretudo uma cadeira não existe
mais do que o Brasil,
e, se o Brasil não existe,
eu não me sento sobre uma cadeira
e se eu me sento
sobre uma coisa criada por gente
também podem ter criado o Brasil
a partir do chão em que piso
não apenas teoricamente,
embora não todo mundo,
embora sobretudo
um tipo muito certo de gente
para quem o Brasil existe
figurativa e não apenas tematicamente,
pois há coisas de carne e osso, e outras coisas
com outras propriedades de corpo, ah
esse papo de que o país em que vivo
não existe ou não é figurativo
já está me deixando louco
. . .
Faz tempo ouço
rumores de mudanças climáticas,
como já te contaram das minhas
mudanças de humores,
mas é porque nunca há
a resposta dada e imediata,
como quando você se ri
e eu acho graça
e, em outras vezes que você ri
e eu sinta que de mim,
eu sinto raiva,
como nem sempre de chuva,
hoje, essas nuvens negras
são na terra da garoa
para nós um signo de fumaça
. . .
Não tenho tique
eu tenho TOC
Tenho fobia de buraquinhos escuros
Tenho medo de pensar no futuro
Eu apaguei o insta
mas continuo num poço
fundo de onde não se diz
terra à vista
e nem por um instante
eu sorrio
Não me faz rir
sequer o vídeo da vovó vegana
não me divirto
nem com o rato dançante
. . .
Sem os nomes que eu não tive, não se poderia jamais preparar-se o meu nome. Como eu, também ele foi cozinhado na barriga da minha mãe. Mas eu, que não o entendia quando criança, reclamava:
– Mãe, mas por que vocês não me deram um daqueles dois nomes?
Não sei se eram mesmo melhores ou apenas maiores. Se bem que Jorge Miguel – ou Miguel Jorge – brilhavam, sim, compondo ao nome que tinha e tenho, o nome que meu pai quase teve, mas não chegou a ter. Não sei se eram melhores, maiores, ou se eram apenas mais uma coisa destinada ao meu pai que eu também poderia ter tomado para mim, assim como minha mãe, a namorada que eu lhe tomei ao nascer.
Jorge, porque meu pai nascera ao dia 23 de abril de 1972, data em que se celebra o Dia de São Jorge, e minha avó arrependeu-se um pouco de não o ter homenageado. Pois meu pai acabou por ficar com aquilo que já se lhe destinava: o primeiro nome do nome composto do seu pai, Rafael Dirceu, avô que não conheci, mas de quem meu pai guarda portanto um pedaço. E eu, por minha vez, da mesma forma acabei por compartilhar com meu pai um nome, esse que não tivemos. Também eu lhe guardo um pedaço: seu e meu pedaços de Jorge, que não vieram a nascer, mas que se acrescentaram às palavras ouvidas por nós de dentro do útero das nossas mães.
Miguel, essa outra coisa que ali se me destinava; o amor e a miopia de Miguilim, personagem de um dos muitos livros que minha mãe me leu grávida, em voz alta: a novela Campo Geral, cujo autor sabia e forjava mais do que ninguém o quanto nomear era originar, gerar, instaurar, era dar sinais e contar, já, a história de alguém, criá-la. Dizer que um nome é um destino não é curvar-se ao império historicista da etimologia. Um nome, além de remeter a uma morfologia arcaica, remete a uma pessoa, e outra que veio antes dela, assim como o nome Ana da minha mãe remete ao nome da santa que, como minha mãe a mim, ensinou Nossa Senhora a ler. Sob o som da palavra destino tudo vibra: as letras da palavra destino deslocam o sentido da História não só como história de morte, mas como história de vida. Em um destino, o passado não explica o presente. O presente destina o passado, de trás para frente.
Não sou diferente do meu pai e da minha mãe em considerar Campo Geral a história mais bonita que já li, e me emociono se penso nesse menino a quem o direito de uma vida não violenta foi restituído por uma pessoa que vinha de fora, sem ter por que se preocupar a não ser pela própria preocupação de cuidar. Penso no olhar do médico para criança, na criança que ganhou um par a mais de olhos; mas eu – que uso óculos desde os meus três anos –, ao contrário, escolho no meu destino este nome pela sua violência. Miguel é quem enfrenta o diabo e disputa o corpo de Moisés, Miguel é quem é sincretizado como Exu, Miguel é patrono da cavalaria medieval, é o Arcanjo dos exércitos e dos militares.
E então visto meu nome como um nome de guerra, e saio protegido, armado, feito São Miguel, feito São Jorge.
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Perder Socir
Aprender Sociurre
Je l'ai perdu aussi
comme un sorcier
Também não tem mais "bruxo
de Juazeiro" "mais não,
não tenho ritmo mais não"
não sou mais mago das palavras
Eu tinha tão pouco
e mesmo o que tinha me tiraram
"Aujourd'hui mamain est morte"
Minha antiga pronúncia de Ferdinand de
Saussure est morte
Já é morto João
. . .
Se você soubesse
quanta coisa na vida a gente aprende olhando para uma parede branca
se você tivesse paciência
de meditar sobre essa frase
sobre a parede branca
você poderia pensar em tudo o que não diz nada
até aprender o que não se diz nunca
feito essa frase
feito uma parede branca
mas antes você se cansa
e se levanta
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Certa vez disse para alguém que eu e Totô temos uma amizade romântica. Eu completei: não no sentido amoroso; eu e Totô pintávamos juntos aos 15 anos, acreditávamos estar no caminho de qualquer direção artística certa, trocávamos email sobre o que líamos e líamos muito, não tínhamos celular, a gente não tinha rede social nenhuma, nossa estética era romanticamente tanto moral quanto ética, e começamos a escrever também poesia juntos, de tal forma que até hoje somos como que um dos únicos leitores um do outro. Além disso, havia – e quanto a isto ainda há – qualquer coisa de um gênio romântico: nossas brigas intempestivas, nossas crenças resolutas que já nos fizeram romper e reatar umas três vezes, acredito. Totô não passa cinco minutos sem que se irrite profundamente com algo que digo, e eu, que sou mais paciente, até que consigo se não passar de sete.
Portanto sim um tanto de sentido amoroso. Aliás quando tínhamos 16 anos houve até uma noite em que ele quis me beijar um pouco.
Hoje ele tem uma namorada taiwanesa gata. Ontem lhe mandei mensagem dizendo que gostaria que eles fossem os padrinhos do meu primeiro filho. Espero contrapartida: eu sempre disse que adoraria ter filhos de olhos puxadinhos.
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De versos
os poemas são antologias
Tenho aprendido a aceitar
a poesia confessional mas
também o ódio à poesia confessional
Sob o signo de Confúcio
tenho me tornado mais brando
Há diversas coisas
que se produzem como poemas
Há muito preto no branco
de uma página que não é poema
e não há problema
Assim como nem tudo é preto no branco
Assim como é difícil de reconhecer como verso uma linha que se extenda
tanto
Diversas coisas
recortadas
pelo branco da página
nos comunicam
São como yinyang
são como listas
Hoje antes da análise
na antessala sobre o caderno
eu escrevia:
Encerramento
briga com pai
vontade de falar de outras coisas
produção de diferenças
pessoas mais velhas
Provas
fim do semestre
tranquilidade
animação
Gabe
amigos o tempo todo
trocas
me ver como branco
me ver
. . .
Esse disco se deve a Mariano Rivera Conde. Vim passar dez dias no México e encontrei Mariano, que eu já conhecia muito, por procuração (via Antonio Prieto). Mariano me convidou para fazer um disco com ele, da maneira mais hospitaleira. Fui ficando, de repente estava morando mesmo. Fiquei mais de um ano, o México é uma maravilha. Ouvi galo cantando no meio do dia, da tarde, de madrugada, de noite – há quanto tempo eu não via isso. Gato, galhinha, carneiro, pato, papagaio, onze perus, cachorro, tem uns onze; é tudo de um senhor que mora aqui embaixo, no barranco. Ainda tem duas filhas, dois filhos e uma porção de netos. Um dia ele matou um porco e dividiu entre os vizinhos todos. Disse que é para se fazer assim.
Oscar Castro Neves chegou de Los Angeles, tirou os sapatos, alugou um piano, pendurou o som, ficou feito uma luz. Parecia a estrela dalva que daqui se mira.
Chico Batera desapareceu. Não tirou os sapatos e disse que não ia pendurar nada, não. Aí, fez os sons de percussão com José Luis Ferra "La Manja". No fim, eu dei um pedaço de bolo a ele. Ele ficou calado, comeu e começou a engordar. Depois, ficou magro de novo. Aí, ficou assim o dia todo.
Manuel, da cabine de seu avião, comandou a turma do som - Roberto, Bernardo, Rico - com toda boa vontade e amor.
Mariano, um grande amigo, das melhores pessoas que já vi.
Eu quero que esse disco dê um abraço no bonfá em todos os meus amigos.
Minha gratidão e um grande abraço ao Dr. Pedro Bloch.
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De tal forma o reconhecimento das grandes virtudes de algo responde a seus grandes vícios que, na verdade, o movimento é um só: do seu ponto forte se faz seu ponto cego, e o contrário. Fernando Pessoa o compreendeu melhor que ninguém. Porque Campos é tão metafísico, verborrágico: é tão infinito, mas tão limitado. Por ser Caeiro excessivamente didático que é pernóstico e humilde, é um idiota e um mestre. Na sua aristocracia, Soares encontrou aquilo que procurávamos tanto e que tanto precisamos condenar. Mas apesar da filologia pessoana, não considero sua obra incompleta e sim aberta. As posições trocam-se, sempre, estão sempre transformadas: é como se Caeiro, Campos, Soares, Reis, ao mesmo tempo, estivessem inacabados e continuamente a se referir, a se reescrever, a escrever Pessoa — de novo. Tanto nunca quanto para sempre.
Depois de comentar um autor tão grande me meterei a me comentar. Não sei se será ironia ou heresia. Me basta que essas palavras rimem.
Também pela implicação recíproca enxergo qualquer coisa como a minha poética. Poética – não no sentido da obra do livro do autor – no simples sentido próprio ao que faço, e como vejo as coisas. Meus vícios poéticos são virtuosos, minhas virtudes poéticas são viciadas. Longamente poderia aqui arrolar várias. Por exemplo essa minha maniazinha provocativazinha polemiquinha, que é chucra e eu não abro mão. Se da brincadeira vem contigência, vejo vindo também necessidade.
Ou que seja isso de eu não gostar de cinema, sem dúvidas. É uma virtude: ignoro a sétima arte, a mais moderna. Ignoro a sétima arte, a mais moderna: a frase por si dá conta de denunciar à sua vez meu tremendo vício.
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Dizem a poesia salva
A minha condena
Não sei se porque
não é poesia
mas condena
Ou apenas porque
sou polêmico
condena
Mas sei não não é
apenas a minha
Nunca a poesia
salva todo poema
condena
Não acreditem
no que lêem na internet
crianças no que lêem
nos livros adultos
Isso de que a poesia salva
é o verdadeiro problema
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O pensamento ao se imitar nas coisas não é um degredo em relação a elas, mas a nossa forma de participar delas, de estabelecer uma relação possível com as coisas. O meu pensamento, por se imitar no mundo, não é um exílio do mundo, pois é, antes, um encontro com ele; é — antes ainda — o mundo. Não sou eu que me espelho nas coisas, é o mundo que, matéria da qual se forjou meu espelho, espelha-se em si. O meu pensamento está no mundo e nas coisas, é mundo e coisa entre as coisas — é do mundo e das coisas. Foram eles que me deram essa forma muito específica de imitá-los (isto, é de pensá-los) que, antes de ser restrita, é a única condição de liberdade: definida não mais como isolamento, e então como pertença.
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Em maio: só um poema. Maio foi um mês de muita escrita acadêmica. O preço pago foi o silêncio da fala que irrompe sobre os poemas. Escrevo poesia porque gosto demais da sensação de falar. Mas, quando escrevi um poema sobre o melhor dia da minha vida, em novembro, eu preferi o silêncio. Porque ganhava algo fundamental: não quis descrevê-lo. E eis que hoje é um dia em que algo se perdeu. Porque perdi algo fundamental: não posso aqui retê-lo.
Tão somente então reapresento a seguir um trecho do poema em que não representei.
o dia que não coube no poema
o dia que o poema não conheceu
o dia deitado para fora da página
o dia feito em pé contra o verso do poema
mas mais falido do que fálico
sem a falácia de um poema
o dia: não
um dia: meu
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Não sei se a poesia é filosófica. Sei que a Filosofia é um discurso paranoico e que a paranoia é um estado de sítio contra toda e qualquer contaminação. Apenas sei de diversas harmonias bonitas possíveis sem juízo final, e sei também que o poema é o discurso contaminado por excelência. Absolutamente, tanto quanto qualquer discurso contaminado será poético, no sentido não-grego e anti-etimológico da palavra poeta: onde se descobre na coisa o que não é da coisa. Definir o signo em termos de significante e significado é defini-lo, mais que a partir de sua identidade, a partir da sua alteridade. Por isso vou me lembrar do sensível e inteligível de Agostinho e chamar o signum simplesmente de um sinal que aponta para o outro. Os sinais em rotação seria um título menos aurático, mas de fato mais poético: de repente, me imaginaria em meio a uma rotatória na saída da Rodoviária de Belo Horizonte, quando os meus olhos batessem com a sua lombada na estante.
A Filosofia, que é tão paranoica, tem muito a aprender com a poesia. Eu, que sou tão hipocondríaco, sem dúvidas tenho muito a aprender com o desejo de contaminar-se da poesia. E a poesia — que pode até não ter o que aprender com a Filosofia ou comigo: ela quer mesmo assim. É o seu jeitinho de ser.
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Aquele bardo baiano havia já entendido o prazer orgânico da língua quando cantou "ele me deu um beijo na boca e me disse", e, dois anos depois, "gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões". Ou, em termos técnicos: tinha entendido a intersemioticidade das linguagens do beijo e da fala. Ou, em termos práticos: cala a boca e me beija.
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Meninas mimadas,
meninas tatuadas,
meninas graduadas,
meninas não tão descoladas,
mas meninas convencidas
que são; meninas
finas desafinadas
que não suportam cantadas
de caras que não são como
essas meninas tão claras
e tipo super bem chatas
— essas meninas malvadas
que não fazem questão,
amor, hoje não.
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Brasil uma desordem
às ordens da Casa
uma despesa
na dispensa às custas
da Senzala
um princípio de lógica
que ordena
controla organiza
e mata
& o Samba
e a Argentina isso
& o Tango
o Uruguai Candombe
os Estados Unidos
isso & o Blues o Soul
o Jazz e mais tanto
Não importa se a arte salva. O que importa é que ela não basta. & porque a poesia não pode ser santa, com prosa didática
é que se termina
essa página
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Não tomo cuidado com,
o que me faz
muitas vezes insensível
Mas eu tomo cuidado de
– não sou cuidadoso
mas eu cuido
Por isso às vezes escuto
você é muito sensível
Miguel
e arrepiando
ao dizer vocativo do meu nome
fico mudo
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