13.4.23
pelo prazer da língua
pelo saber da língua
pelo sabor que a língua me dá
Ou a outros homens
que beijem e falem como você
sem que eu sequer
tenha que provar para dizer
. . .
13.4.23
pelo prazer da língua
pelo saber da língua
pelo sabor que a língua me dá
Ou a outros homens
que beijem e falem como você
sem que eu sequer
tenha que provar para dizer
. . .
Está feito. Os troços coisados
em negócios. Muito despojo.
Tudo destroços. Necrotreco
de sentido, e no som
ainda rima interna
com ossos.
. . .
Então aqui vem se acabar
a Rua Cayowaá.
Então é aqui?
Pra mim você era
mais moça. Pra mim
você: era.
Eu te imaginava mais
pomposa e lembrava também
daquele condomínio
na sua primeira quadra
quase dando no metrô,
onde morava a colega de sala.
De repente me lembro
do endereço: 2046; grande,
de crepúsculo e não de aurora.
Nunca pesei que o sol poderia ter nascido
deste outro lado e de caminho cruzado
só então me encontrar.
Nunca cogitei que não trouxesse
eu o sol,
ou que ele nascesse distante
dos meus olhos. Mas ele
se põe. E antes mesmo ele nasce.
E isto aqui é o antes
que eu não via.
Não acaba aqui a Rua Cayowaá.
Agora eu vejo.
Depois de tudo, enfim,
chega a hora do começo.
. . .
O mundo está decididamente encantado.
É a graça. É fugaz: logo passa.
Agora o mundo de plástico me abraça.*
Miguel Bivar Marquese
Esta ampliação da esfera privada, o encantamento, por assim dizer, de todo um povo, não a torna pública, não constitui uma esfera pública, mas, ao contrário, significa apenas que a esfera pública refluiu quase que inteiramente, de modo que, em toda parte, a grandeza cedeu lugar ao encanto; pois embora a esfera pública possa ser grande, não pode ser encantadora precisamente porque é irrelevante.
*E isto também é real embora não agrade ao poeta Régis Bonvicino (nota do epigrafista).
. . .
Aquele dia você tombou
tonta, se apoiava
num não vi ao certo —
fazia escuro. Desde aquela noite
em que você,
depois de se levantar,
caiu de novo,
seis anjos me carregam,
sete demônios me dão de comer,
e meu único anjo da guarda
me sentou na única cadeira
como consolo.
Partimos sapatinho de cristal.
Não bastou.
Queimamos brinco de ouro.
Não passou.
Permaneço hoje sentado,
mas oito espíritos da floresta me conduzem,
nove passos à frente, eles vão,
desbastando as árvores,
cuidando para que eu não veja
o vento abater nenhuma folha;
e nunca outra queda
me lembre de que você bebeu de novo.
Desde então, dez vetustas
me jogam na cara sua ordem de vínculo
e pouco nível de compromisso;
onze bailarinas fazem da minha vida
um circo.
. . .
Ninguém disse a mais fina
A palavra se esconde
Já onde?
é o que a gente não atina
Estou tentando descobrir o ritmo
encadeado do meu pensamento
e ele não existe
tenho descoberto
Mas não penso em prosa
isso é certo
. . .
Uma brincadeira: futebol de botão.
Uma dança: dança de salão.
Um livro que não li: Lamentações,
Daniel, Esdras.
Uma conquista: não as tenho.
Uma derrota: Graças a Deus,
poucas tenho. Não estou morto ainda;
se bem que tampouco tentaram-me
matar; se bem que hoje me sinta atento.
Fui um menino atentado,
pelo que me lembram.
Por proteção,
escolho a Oração de S. Miguel Arcanjo,
entre todas (este nome,
recorde de batismo em 2022,
minha mãe me pôs,
duas décadas atrás; e logo
com tanto Miguel
me vejo comungando de tão mais).
De vários jargões religiosos
caros ao léxico da crítica:
me bastam tais versos. Recuso,
obstante, a pecha confessionais.
Como, se a quem?
Qual frei? Cuja paróquia?
. . .
A luz se fez no caleidoscópio multicolor,
multicordicarnal, em tantas cardinalidades.
Soçobramos. Portanto só sobra a dúvida —
. . .
Vou expô-la. Meu cachorro é tão profundo que leria Montaigne, mas se condensa em centímetros. As coisas são o que são: meu cachorro é de apartamento, diz-se de madame. O meu cachorro é melancólico. Não sei se porque viria da Sibéria e vive assim na Vila Jataí. Assim, seu topônimo indígena e estatuto alienígena: Apso, Lhasa.
. . .
Preciso da porta ranger
inconteste, inconstante.
Tenho amor ao vento.
Não me ranjo os dentes.
Nunca fugi aos medos
no instante, nem um instante.
. . .
Algo em mim pulsa por uma reverência, canta
algo assim em mim continua; eu — já não me assustando mais. E ele — pop. Porque, a mim — que o amei, então descobri a falsidade ideológica da instituição poesia e daí o detestei junto dos defensores da literatura, tão dissimulados —, me fez tornar a amá-lo. E ainda o fez com jeitinho, sabe, essa autoridade anarquista lá do interior das Gerais... Mais ainda porque obriga tudo a acabar, dizendo: acaba, vai acabar, já tá pra. No seu jeito de mostrar que verso não é menos perfomance linguística, e o sublime é ato tão ilocucionário quanto o panfleto, a publicidade. Licença, se falo em tecniquês é porque às vezes se é tecnicolor. Porque a gente não abre mão de tudo não; e eu — que não abro mais de Drummond, que tudo mais foi pro inferno.
. . .
No verse is free disse o poeta Eliot
em sua suma autoridade
Some may be
disse o poeta Pássaro do Desejo
e a santa que em nome de
Todas-as-Águas
Quase-Paradas
rebentou os diques do brejo
E não mais
Rainha-Vitória gorda-
mente estendida sobre a face
do lago
Nunca mais
autoridade pro-
funda
Para sempre
alagado em todo lado
Para sempre: pô-ças
Ilhas
— para sempre
. . .
Tiro, do que me — a roupa —,
o que a guarda — da chuva —,
e o abro, como uma membr
-Ana
postiça, dele eu sempre esquecido.
Positivamente, um caso da lepra
— diz o doutor mas a doutora diz —
caso um do bilical,
pulsão de retorno ao líquido:
amniótico.
Pela sensação de água,
com sua como ternura,
semelhar má
terna aos pingos da esfera ex:
anamnese.
É o que entanto não se vê.
. . .
A subordinação subornosa
do sublime
não é subreptícia,
é reptiliana:
sucuri entorno, entorno,
entorno, então: engole.
. . .
Chovo todos os dias pelas manhãs em que dizem chove muito na capital. Por isso prefiro a forma chover intempestuositivamente à capital. Inexistir-me sujeito. Desistir de mim, sujeito presente oculto, se inexistente real: um, dois, três vezes singular. O que deixa-me água: infinitiva, sobrecéfala...
. . .
I.
Demonstrar,
isto é etimologicamente
monstrengar ao externo
— da partícula latina de —,
a feminilidade ontológica fundamental
é simples. Demonstremos:
a) pente — masculino
b) adicionar a ele
o ele apenas
na definição substantiva,
essencial ser,
restringido a apenas
em produtos alquímicos
desvelar-se
em si c) serpente
(revelada).
II.
Para saber que na Bíblia
o homem se fez da mulher
é preciso colher o fruto à contrapelo.
Se a rosa é da roseira;
o limão, do limoeiro;
a figueira dá de si o
— um figo.
Arqueologicamente,
é essa a árvore do conhecimento
e o trabalho uma vez que a ser pente.
III.
Como o que havia do nu naquela mulher nua
não era, não é e não pode ser homem.
Não falseio falaceio.
A masculinidade é,
definitivamente
não apenas por definição,
uma palavra mulher.
Da língua, enfim me reforça,
entre as suas, a mais verdadeira
palavra mãe¹.
¹Como a aparente neutralidade
das palavras estéril, virgem e fértil,
que tomaremos em futuros versos.
. . .
Ele se afastava de mim:
era devagaroso,
sempre um tanto.
Mas quando rompeu mesmo,
e nada mais unia
(antes, era — devagar),
aí, foi — de repente.
Ali, num só,
num espaço vazio minha vida:
atômica, vidida.
. . .