Ele se afastava de mim:
era devagaroso,
sempre um tanto.
Mas quando rompeu mesmo,
e nada mais unia
(antes, era — devagar),
aí, foi — de repente.
Ali, num só,
num espaço vazio minha vida:
atômica, vidida.
. . .
Ele se afastava de mim:
era devagaroso,
sempre um tanto.
Mas quando rompeu mesmo,
e nada mais unia
(antes, era — devagar),
aí, foi — de repente.
Ali, num só,
num espaço vazio minha vida:
atômica, vidida.
. . .
Lá vai o bom japonês pelo campo de arroz
É certo que em hora certa
É certo que vindo do norte
Mas terrivelmente doce
— esta a sua importância —
no país dos doces de feijão
país de um envelhecimento sem açúcar
sem diabetes
O bom envelhecimento saudável
No país do respeito
O país do costume
Vai
como todo bom japonês
e ama o nome que os pais lhe puseram
ama o sobrenome que
pelo país lhe deram
Honra ajuda lavra
pelos outros
como lhe disseram
*Versos circunstanciais para Yudi Pontual de Petrolina Ikeda, que gosta razoável de seu nome e por isso pede um poema de preocupações étmicas.
. . .
Ana multiforme
me engole
eu bola de pelo
quando cabeleira gata
ou bruxa de um ser
penteado mais suas asas de
não sei não lufam ar quente ar
dente no nome que devia
de ser Jorge no fim quedando
Miguel para eu cair de tesão
por ela mas ela
não se pega se ela se
esfuma da coisa do Um
e se é dois a onda igual espuma
pois não tem divisão
nem multiplica o que
uma professora esconde dos alunos
a Ana demora e demole
mas sempre Amor permanece
feito cobra comendo o próprio rabo
como essa minha cobra
come seu rabo lindo
de Anacon
tínua
. . .
por Chico Mieli
Com minha participação singela. Pelos cálculos, os quatro versos que propus, de 33, dão 12,12% da canção; em termos de royalties, conto que, se chegarmos a 20 milhões de reproduções na rede sueca, poderei comprar um Guaraná Antártica Zero.
As meninas na gare,
As meninas já vão embarcar.
Três poemas criando
Um só plano, um destino a selar:
“Qual futuro alcancei?”
“Quantas vozes eu sou?”
“Cravei trilhos, vagões...”
“Fundei guias no olhar...”
São amigas, irmãs.
São amantes, suponho que são.
Três atrizes do sul:
Fio da trama a bordar a canção
De meninas do cais,
Das mulheres na nau,
Dessas pedras rolando
E virando areal.
Três meninas na margem —
As meninas mulheres no mar
Refletidas estão,
E se vão estrelas acolá.
Marés altas de sal,
Correntezas de amor,
Acrobatas do chão:
Três Marias no ar.
As meninas celebram, cirandam
No sobrado, na gare, na estação.
Construída entre conversas e sonhos,
Pavimento de estreias sem temor
Que revela o convés inesperado.
Três meninas na gare, em sobressalto,
Já suspeitam do fato mais secreto
Que, ao fado de um futuro destinado,
O porvir que as espera vai com elas.
. . .
Os com amor
desesperem-se despidam-se
dos que amor ignoram
pois quem tem amor grite
e se tem amor dispa-se
se despedace assim
clamando a Deus
assim em vendo amor ore
a Deus assim rogue
pelo amor chame
O novo reino que é seu já rompe
Ele rompe acudam pois ele rompe
Sobrevindo lá vem
cá — nosso amor
. . .
"Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira"
A parte de mim pondera
o delírio
e delira com a ponderação
Esse é o meu empoderamento...
1. De mim a parte
2. Em mim haver uma
talvez
a parte em mim que
a mim parte
aqui e
à parte
aquelas outras
atravessando-me também
. . .
Tão breve a minha idade
se conforma com a nossa
que vou assim minando
a pedra vai
minando eu
a pedra minando
Num sulco
entrevisto da gente
um risco mútuo
Mas certo não é fundo
não é só fungo não
Líquen
Como o seixo revolvido
volve em sal
. . .
Um ramo duas folhas
não bastam pra gente desenraizada
da vida desenraizada.
Não basta hortifruti não basta.
Então o campo esfria.
A brisa grita.
É o decepar de um cultor.
E vem o discurso ciência
segredar ao pé da nossa letra
a estância duradoura
da mexerica que nós partimos
e comemos — nós te
cheiramos te lambemos
há tantos anos,
que assinto cuma certa
pertença ao doce
da sua fruta, e me assento
no sumo do tempo.
. . .
Esse calor gente
Alguém me diz se esse calor é de deus.
Gente quem me diz
deus
e diz gente também
feito o calor
. . .
Entre o bem e o mal
o banal
que começa com b de bem
termina com l de mal e
no meio
tem o nome ana
que é o da minha mãe
que eu adoro
. . .
Boi boi boi
Boi da cara preta eu vim
eu cheguei eu vim pegar vocês
Boi — Bu
Vou te apresentar a uma aula de poesia
numa grande universidade
da América Latina
O professor diz assim
pensem com que surpresa a década de bolinha leu esse poema
eu penso
quero um poema lido com nenhuma surpresa pela década
Tem mais professor dizendo o escândalo
a genialidade
e a gente querendo — o comum?
a intimidade?
— apagar o fogo o artifício —
A gente querendo uma poética: poética
— fim das literaturas —
Não queremos clássico da literatura negra não nenhum
por favor o fim dos clássicos e das literaturas
Infelizmente o livro daquele humanista italiano não nos tocou
Infelizmente as luzes daqui são insuficientes à noite
E quando vejo no ônibus um desconhecido de bigode espesso
à minha revelia sinto tesão
A gente à noite sente melancolia
Faz escuro ela prega gostoso na gente
não... e não só nos poetas
Não temos notícia de fantasma pelo corredor de cá
Será que alguém esperou um dia todo o prédio se apagar?
Pensamos
nesse instante cessou a profissão do poético
ficando poética qualquer?
Poética nem velha
poética velha não
Nem nova
o novo... é velho já
Deixa a gente fantasiar aqui
Noutro dia os catedrais me leem
me chamam de arrogante
(eu não entendi nada e tenho recalque de compositores populares)
pronto pro combate keep calm
Mas um professor sim uma ela vê a gente ele vem
com que roupa?
Ela trama com a gente uns cipós
suspenses dos outros mundos que já se gestavam
Devagarinho eclipsavam e já haviam transposto
o lado de lá
Atravessaram a ponte
disfarçados em varejas, heras, em cupinzeiros e
— olha só que escândalo —
surpreendiam o professor
brotando por dentre a madeira do tablado
mbá
. . .
dia estive no Leme
por visitar ela Clarice
ela a que quis me fazer fitar
parando em frente a ela
ela que sempre esquivava com olhos
perdidos de contra mona lisa bem dura
Clarice olhos duros da Mona Dura Clarice
olhos de bronze
olhos de louca que não fita
porque está em outro lugar
no Leme Clarice passou ao largo de mim
fui ao Recife buscá-la
no Recife em pleno largo tomava o sol
e só olhava larga para o Sol
tinha o acesso ao ouvido pelas orelhas tapado
com certeza de tão certa ela olhava
de tão pouco me respondia
de tanta frieza na pedra ou metal
em que mesmo estátua Clarice
sabia a verdade do mundo anti-estático
concentrada demais
para pulverizar mais
no estado sólido da matéria
dinâmico e dinâmica da matéria
que o calor conduzia e absorvia
e que me queimava me obrigava a lembrar
sensível a vida teimosa da minha célula
e a gente cremou Clarice?
alguém responde
para eu poder respirar muito e rápido
para eu aumentar as chances de
um dia
uma cinza dela
os meus alvéolos
dela Clarice
que conseguiu ser desfeita
e voltar Dura pós queda
pesada mas não a ponto de que não conseguisse
fugir de mim para ensinar
que enquanto eu quiser
Clarice cá estará lá
Clarice quando eu no Leme
visita Recife e estará no Leme
quando dia estiver em Recife
Clarice
da gente que interessa quando é mais gente
e menos a gente
serei menos eu da próxima vez
para ver se haverá
o que possa interessá-la
e interessar lá
. . .
Eu deixaria de contar lorotas,
se o meu Tio Batista batesse as botas.
E mandaria benção a todas as devotas,
se o Tio Batista batesse as botas…
Se o Tio Batista batesse as botas,
só sagradas anedotas:
notas certas, sábias rotas.
Adeus aos ignotas idiotas.
E tudo que o Tio me pede é filho,
não bata as portas,
de porta aberta coma xoxotas.
. . .