A luz se fez no caleidoscópio multicolor,
multicordicarnal, em tantas cardinalidades.
Soçobramos. Portanto só sobra a dúvida —
. . .
A luz se fez no caleidoscópio multicolor,
multicordicarnal, em tantas cardinalidades.
Soçobramos. Portanto só sobra a dúvida —
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Vou expô-la. Meu cachorro é tão profundo que leria Montaigne, mas se condensa em centímetros. As coisas são o que são: meu cachorro é de apartamento, diz-se de madame. O meu cachorro é melancólico. Não sei se porque viria da Sibéria e vive assim na Vila Jataí. Assim, seu topônimo indígena e estatuto alienígena: Apso, Lhasa.
. . .
Preciso da porta ranger
inconteste, inconstante.
Tenho amor ao vento.
Não me ranjo os dentes.
Nunca fugi aos medos
no instante, nem um instante.
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Algo em mim pulsa por uma reverência, canta
algo assim em mim continua; eu — já não me assustando mais. E ele — pop. Porque, a mim — que o amei, então descobri a falsidade ideológica da instituição poesia e daí o detestei junto dos defensores da literatura, tão dissimulados —, me fez tornar a amá-lo. E ainda o fez com jeitinho, sabe, essa autoridade anarquista lá do interior das Gerais... Mais ainda porque obriga tudo a acabar, dizendo: acaba, vai acabar, já tá pra. No seu jeito de mostrar que verso não é menos perfomance linguística, e o sublime é ato tão ilocucionário quanto o panfleto, a publicidade. Licença, se falo em tecniquês é porque às vezes se é tecnicolor. Porque a gente não abre mão de tudo não; e eu — que não abro mais de Drummond, que tudo mais foi pro inferno.
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No verse is free disse o poeta Eliot
em sua suma autoridade
Some may be
disse o poeta Pássaro do Desejo
e a santa que em nome de
Todas-as-Águas
Quase-Paradas
rebentou os diques do brejo
E não mais
Rainha-Vitória gorda-
mente estendida sobre a face
do lago
Nunca mais
autoridade pro-
funda
Para sempre
alagado em todo lado
Para sempre: pô-ças
Ilhas
— para sempre
. . .
Tiro, do que me — a roupa —,
o que a guarda — da chuva —,
e o abro, como uma membr
-Ana
postiça, dele eu sempre esquecido.
Positivamente, um caso da lepra
— diz o doutor mas a doutora diz —
caso um do bilical,
pulsão de retorno ao líquido:
amniótico.
Pela sensação de água,
com sua como ternura,
semelhar má
terna aos pingos da esfera ex:
anamnese.
É o que entanto não se vê.
. . .
A subordinação subornosa
do sublime
não é subreptícia,
é reptiliana:
sucuri entorno, entorno,
entorno, então: engole.
. . .
Chovo todos os dias pelas manhãs em que dizem chove muito na capital. Por isso prefiro a forma chover intempestuositivamente à capital. Inexistir-me sujeito. Desistir de mim, sujeito presente oculto, se inexistente real: um, dois, três vezes singular. O que deixa-me água: infinitiva, sobrecéfala...
. . .
I.
Demonstrar,
isto é etimologicamente
monstrengar ao externo
— da partícula latina de —,
a feminilidade ontológica fundamental
é simples. Demonstremos:
a) pente — masculino
b) adicionar a ele
o ele apenas
na definição substantiva,
essencial ser,
restringido a apenas
em produtos alquímicos
desvelar-se
em si c) serpente
(revelada).
II.
Para saber que na Bíblia
o homem se fez da mulher
é preciso colher o fruto à contrapelo.
Se a rosa é da roseira;
o limão, do limoeiro;
a figueira dá de si o
— um figo.
Arqueologicamente,
é essa a árvore do conhecimento
e o trabalho uma vez que a ser pente.
III.
Como o que havia do nu naquela mulher nua
não era, não é e não pode ser homem.
Não falseio falaceio.
A masculinidade é,
definitivamente
não apenas por definição,
uma palavra mulher.
Da língua, enfim me reforça,
entre as suas, a mais verdadeira
palavra mãe¹.
¹Como a aparente neutralidade
das palavras estéril, virgem e fértil,
que tomaremos em futuros versos.
. . .
Ele se afastava de mim:
era devagaroso,
sempre um tanto.
Mas quando rompeu mesmo,
e nada mais unia
(antes, era — devagar),
aí, foi — de repente.
Ali, num só,
num espaço vazio minha vida:
atômica, vidida.
. . .
Lá vai o bom japonês pelo campo de arroz
É certo que em hora certa
É certo que vindo do norte
Mas terrivelmente doce
— esta a sua importância —
no país dos doces de feijão
país de um envelhecimento sem açúcar
sem diabetes
O bom envelhecimento saudável
No país do respeito
O país do costume
Vai
como todo bom japonês
e ama o nome que os pais lhe puseram
ama o sobrenome que
pelo país lhe deram
Honra ajuda lavra
pelos outros
como lhe disseram
*Versos circunstanciais para Yudi Pontual de Petrolina Ikeda, que gosta razoável de seu nome e por isso pede um poema de preocupações étmicas.
. . .
Ana multiforme
me engole
eu bola de pelo
quando cabeleira gata
ou bruxa de um ser
penteado mais suas asas de
não sei não lufam ar quente ar
dente no nome que devia
de ser Jorge no fim quedando
Miguel para eu cair de tesão
por ela mas ela
não se pega se ela se
esfuma da coisa do Um
e se é dois a onda igual espuma
pois não tem divisão
nem multiplica o que
uma professora esconde dos alunos
a Ana demora e demole
mas sempre Amor permanece
feito cobra comendo o próprio rabo
como essa minha cobra
come seu rabo lindo
de Anacon
tínua
. . .
por Chico Mieli
Com minha participação singela. Pelos cálculos, os quatro versos que propus, de 33, dão 12,12% da canção; em termos de royalties, conto que, se chegarmos a 20 milhões de reproduções na rede sueca, poderei comprar um Guaraná Antártica Zero.
As meninas na gare,
As meninas já vão embarcar.
Três poemas criando
Um só plano, um destino a selar:
“Qual futuro alcancei?”
“Quantas vozes eu sou?”
“Cravei trilhos, vagões...”
“Fundei guias no olhar...”
São amigas, irmãs.
São amantes, suponho que são.
Três atrizes do sul:
Fio da trama a bordar a canção
De meninas do cais,
Das mulheres na nau,
Dessas pedras rolando
E virando areal.
Três meninas na margem —
As meninas mulheres no mar
Refletidas estão,
E se vão estrelas acolá.
Marés altas de sal,
Correntezas de amor,
Acrobatas do chão:
Três Marias no ar.
As meninas celebram, cirandam
No sobrado, na gare, na estação.
Construída entre conversas e sonhos,
Pavimento de estreias sem temor
Que revela o convés inesperado.
Três meninas na gare, em sobressalto,
Já suspeitam do fato mais secreto
Que, ao fado de um futuro destinado,
O porvir que as espera vai com elas.
. . .
Os com amor
desesperem-se despidam-se
dos que amor ignoram
pois quem tem amor grite
e se tem amor dispa-se
se despedace assim
clamando a Deus
assim em vendo amor ore
a Deus assim rogue
pelo amor chame
O novo reino que é seu já rompe
Ele rompe acudam pois ele rompe
Sobrevindo lá vem
cá — nosso amor
. . .
"Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira"
A parte de mim pondera
o delírio
e delira com a ponderação
Esse é o meu empoderamento...
1. De mim a parte
2. Em mim haver uma
talvez
a parte em mim que
a mim parte
aqui e
à parte
aquelas outras
atravessando-me também
. . .
Tão breve a minha idade
se conforma com a nossa
que vou assim minando
a pedra vai
minando eu
a pedra minando
Num sulco
entrevisto da gente
um risco mútuo
Mas certo não é fundo
não é só fungo não
Líquen
Como o seixo revolvido
volve em sal
. . .
Um ramo duas folhas
não bastam pra gente desenraizada
da vida desenraizada.
Não basta hortifruti não basta.
Então o campo esfria.
A brisa grita.
É o decepar de um cultor.
E vem o discurso ciência
segredar ao pé da nossa letra
a estância duradoura
da mexerica que nós partimos
e comemos — nós te
cheiramos te lambemos
há tantos anos,
que assinto cuma certa
pertença ao doce
da sua fruta, e me assento
no sumo do tempo.
. . .
Esse calor gente
Alguém me diz se esse calor é de deus.
Gente quem me diz
deus
e diz gente também
feito o calor
. . .
Entre o bem e o mal
o banal
que começa com b de bem
termina com l de mal e
no meio
tem o nome ana
que é o da minha mãe
que eu adoro
. . .
Boi boi boi
Boi da cara preta eu vim
eu cheguei eu vim pegar vocês
Boi — Bu
Vou te apresentar a uma aula de poesia
numa grande universidade
da América Latina
O professor diz assim
pensem com que surpresa a década de bolinha leu esse poema
eu penso
quero um poema lido com nenhuma surpresa pela década
Tem mais professor dizendo o escândalo
a genialidade
e a gente querendo — o comum?
a intimidade?
— apagar o fogo o artifício —
A gente querendo uma poética: poética
— fim das literaturas —
Não queremos clássico da literatura negra não nenhum
por favor o fim dos clássicos e das literaturas
Infelizmente o livro daquele humanista italiano não nos tocou
Infelizmente as luzes daqui são insuficientes à noite
E quando vejo no ônibus um desconhecido de bigode espesso
à minha revelia sinto tesão
A gente à noite sente melancolia
Faz escuro ela prega gostoso na gente
não... e não só nos poetas
Não temos notícia de fantasma pelo corredor de cá
Será que alguém esperou um dia todo o prédio se apagar?
Pensamos
nesse instante cessou a profissão do poético
ficando poética qualquer?
Poética nem velha
poética velha não
Nem nova
o novo... é velho já
Deixa a gente fantasiar aqui
Noutro dia os catedrais me leem
me chamam de arrogante
(eu não entendi nada e tenho recalque de compositores populares)
pronto pro combate keep calm
Mas um professor sim uma ela vê a gente ele vem
com que roupa?
Ela trama com a gente uns cipós
suspenses dos outros mundos que já se gestavam
Devagarinho eclipsavam e já haviam transposto
o lado de lá
Atravessaram a ponte
disfarçados em varejas, heras, em cupinzeiros e
— olha só que escândalo —
surpreendiam o professor
brotando por dentre a madeira do tablado
mbá
. . .