bossinha


A compreensão não anula o sentir

por detrás. O prefixo ficciona um fim:

querer só o croc da maçã crocante

é tão feitiço e alienação

quanto muito apraz tê-la

tão crocante. Tudo coexiste:

toda frase é simultânea.

. . .


APOLOGIA


Anita me fez lembrar de todo fenômeno ser mistificação, e de que todas as mulheres, fora algumas que conheço, e pouco, como a mim, são místicas — de outras italianas sobre quem, desconhecendo, escrevi; da artista que dorme mas que, tentando dormir, doeu-se e perguntou se valia continuar e, embora não a considere uma artista, como faça música além e aquém de paranoia, isso seja bom, correto, sabendo-se que a vida e os fenômenos culturais e as sociedades com mercado excedem aos planos mesquinhos da Arte; de formações de produto espontâneas que não vêm sempre duma síntese material, tem vez dela mesma, Anitta, sem ter razão exata sendo que procure uma, deitada, em todo comentário admirado ou odioso ao perfil dela endereçado; de, nesse país, razões exatas coincidindo por pressupostos divinos com prêmios milionários processos de impedimento personas pop e pinceladas, sem que para tudo haja um porquê e por isso continue a procurar, com tanto tédio, senão com empreendimento, um marxianamente justo capaz de resolver a marxistas, duma vez por todas, se funk origina de misticismo ou de luta social —
estrelas cadentes
brilham um instante
as mais das vezes
com a luz de escândalo
e somem-se logo
nas trevas do esquecimento
. . .

horror de nem


à hora rara

ora

não rato

passe por dentro do não

esgoto e nos negue

ai, ratinho, ratinho

nos nega, nega nega

. . .

ESPÓLIO DE FULVIA GUZZANTI


Não pude ir lá pedir dessa FG toda fala que soterra o seu fato. Jamais será ela orgânica, na impossibilidade de sê-lo: no guardar impressos em si, qual qualquer sigla, segredos de adjetivações que teremos sempre de inventar; se nos dizemos presos a mentira, e tão falsamente.

Não pôde a lápide dessa efígie resumir matéria em epitáfiosCumprirão a tarefa futuros vermes que esquecem de roer os nomes de alguns e vão criando tradição sobre duas letras certas de si, recém libertadas de tinta, massificadas e só prospecto duma relação fantasiada.

Em miloutros sentidos conforme o saber velado de que tudo revela e sente, se é ou não ficção, se compreende.

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 #3 

Pois que o sinhor, sim o sinhor, o sinhor só levante a mão e dispare — Millenial! — acaso sentir-se muito seguro em não confessar o fracasso total de sua geração. Apenas não lhe acuso, que sinto exatamente isso sobre estes a que pertenço.


#4

Jornalismo dá tédio: para curar noites de indigestão, melhor ver o impedimento de Dilma Roussef, muito mais parecido com um filme triste. Disponível na plataforma que admiramos por nos fazer deitar de lado determinismos tecnológicos e reconhecer virtudes na rede, o filme fica terrivelmente trágico a partir das três horas, 43 minutos e 42 segundos, aliás, quando de fato começa. Insisto: jornalismo dá tédio, é literariamente que o documento deve ser visto apesar de não ser construção de nenhum gênio, chamando na ética e na política por uma inevitabilidade do que recentemente se descobriu ser a mentira do querer l'art pour l'art.


#5

De noite, a rua, vazia, e a jovem mascarada que se dirige a uma cúmplice e grita, ainda distante, para o ermo que as conecta:

– Estou mal, na medida do impossível.

RITMO DE PARTIDA


uma parada:

um farol de luz a iluminar

partir o som do m-

ar            
é preciso a luz ecoar no ar escuro 


sentado

tece a rede

traça o real sem prumo


sentindo

o vento esquecendo o vento

vento vento vento vento

o vento através da travessia

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SEGREDO


Ambicionava novas formas de sentir e, portanto, reivindicava a criação duma nova gramática. Sonhava com outros alfabetos; desejava-se libertar de velhos temas virtuais. E tinha dinheiro: comprou um cachorro. Apesar de se não versar nas artes de psicologia canina,  descobriu outros latidos sintaxes exoterismos que não cabem em serem revelados para desconhecidos. Mas como, confesso, não comprou nem adotou cachorro, porque tampouco era homem de ambientalismos — não,  sonhou com um, porque era filho de tempo de simulacros e, com dinheiro, soube compreendê-los:

GUARDAR DINHEIRO SEMPRE


moral: O vizinho, deixando-se seduzir pela paternidade canina, colhe excretas até hoje.

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#1 

Todo ato que realizo é pensado e projetado para ser lembrado pelo esquecimento de mim. É a sucessão deixada pro aprendiz nenhum dos meus feitos vazios. Mas toda escolha nossa consegue ignorar qualquer ideia de passado e futuro e, à sua vez, propõe-se ser migalha e fermento da Vida sem que se entenda a glória do poder ser esquecido. Por consciência disso, amo aos vermes todos, sei que vencerão sobre mim: realizo todo ato com ponderação e inocência, pretendendo a segurança de lhes ser assim digno de apagamento.


#2

A escrita dessa carta é já um ato cruelmente fatual buscando atolado o que me é redundante, o que é redundante a quem lê e redundante ao homem mesmo, a crença na ideia de que crer agrega valor, de que basta escolher para viver a vida, sem ser necessário antes sabê-la.

AS CIDADES MUDAM E OS CAMPOS SÃO ETERNOS

pra quem tem pensamento forte, o impossível é só questão de opinião
e disso os loucos sabem, só os loucos sabem


É necessário expurgar, talvez não para todo sempre, senão momentaneamente, a expressão na medida do possível, é preciso que todos os homens e mulheres tomem consciência dessa estupidez da língua. A felicidade de hoje é sempre desigual da de ontem. Conhecem eles alguém em qualquer época que viveu algo na medida do impossível? O realizado, qualquer que seja, enquanto coisa real, foi sempre o possível.

Podemos compreender, diante da realidade distinta, por que se sinta a necessidade de explicitar esse horror, insistindo na redundância existencial de estar na medida... Nem por compreendida deve ser aceita essa farsa, quando poderíamos, em vez, dizer: estou mal por este mundo de merda ou estou bem e o mundo? anda uma merda. Sem o mas anda uma merda  mas é outro vício da língua, aqui odiado especialmente, porque mesmo eu o emprego tanto. Mas nada, tudo e. É fútil dizer há mais de um genocídio em curso mas ainda assim consegui encontrar felicidade; é que as chacinas acontecem, a gente se detesta por elas e alguns de nós são felizes, nem por isso mais ou menos indiferentes ao que ocorre. Se eu fosse feliz, diria há muitos que apanham fisicamente, isso me entristece e eu sinto felicidade: não em razão de surras, por uma outra.

Enquanto que a expressão na medida do possível é duma estupidez (pois que escolher falar está tudo bem, em vez de outra afirmação, é um ato que conta mais sobre a própria decisão do que se abre para a verificação do decidido), mas é de um moralismo absurdo — e o pior: não significando, assim, que se é mais engajado pra com o que se opõe sintaticamente.

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