MENINAS MALVADAS

 

Meninas mimadas,

meninas tatuadas,

meninas graduadas,

meninas não tão descoladas,

mas meninas convencidas

que são; meninas

finas desafinadas

que não suportam cantadas

de caras que não são como

essas meninas tão claras

e tipo super bem chatas

— essas meninas malvadas

que não fazem questão,


amor, hoje não.

. . .

DEMAIS A ARTE E A POLÍTICA


Brasil uma desordem

às ordens da Casa

uma despesa

na dispensa às custas

da Senzala

um princípio de lógica

que ordena

controla organiza

e mata


& o Samba


e a Argentina isso

& o Tango

o Uruguai Candombe

os Estados Unidos

isso & o Blues o Soul

o Jazz e mais tanto


Não importa se a arte salva. O que importa é que ela não basta. & porque a poesia não pode ser santa, com prosa didática

é que se termina

essa página

. . .

SE TU SOUBESSE COMO EU NÃO SOU CUIDADOSO

 

Não tomo cuidado com,

o que me faz

muitas vezes insensível

Mas eu tomo cuidado de

– não sou cuidadoso

mas eu cuido


Por isso às vezes escuto

você é muito sensível

Miguel

e arrepiando

ao dizer vocativo do meu nome

fico mudo

. . .

DE CIRCUNSTÂNCIA

 

Era uma vez

não tinha no mínimo 94 anos

nem tinha no máximo 94 anos

um curitibano nos mostrou

como admitir ambas as sentenças

e então voou para outros planos

. . .

 

O longo século XX

de Arrighi


O curto mês de abril

do Miguel


O amor ao verso

Um vídeo de um homem


pulando na piscina

em looping reverso 

. . .

EU

à Gilda/ a Rousseau 

Amo minha caligrafia.

Eu amo minha relação errada

com os livros de Antropologia:

como se fossem manuais de ética,

como se eu descobrisse

que os Chinook o fazem

e de repente também quisesse

casar com a minha tia,

como se simplesmente

por serem diferentes

os Yanomami soubessem mais

sobre a vida, como se

eu me cristianizasse para seguir

o exemplo santo de Maria.

. . .

OBSESSÕES

 

Sim

no Blues interessa

o que não é blues

no canto gregoriano

o que não é canto gregoriano

etc

Há entretanto exceções

obsessões

pudera

em Ella Fitzgerald

apenas o que é della

me interessa

. . .

NEM TUDO TEM TÍTULO

 

Nem um olhar

nem um beijo

vale mais que mil palavras

Nenhuma palavra

vale nada


Nem sempre dá

ou se quer sustentar

uma teoria da palavra

que o valha

. . .

 

A caligrafia da palavra

Amor


Para mim o fato do concretismo

ter construído sua teoria visual

em torno da letra impressa

deixar claro

que há mais de propaganda

que de poética


A língua —

para mim o corpo

Para o meu corpo

Para eu tatuar não o seu nome

mas a sua letra

na íris do meu olho


Por ser essa linha

uma extensão da sua mão

Para eu lhe estender a mão

. . .

QUANTO AO MEU ÚLTIMO POEMA

 

A religião material da concretude também é uma forma de transcendência. Ela também busca religar-se com etc; ao que parece, a ligação com uma puta duma propagas do Washington Olivetto, méo. Não faço questão de uma poesia com experimentação de linguagem. Não tenho o último modelo do IPhone 15. Nasci em São Paulo, mas sei de extensões continentais e insulares. Ouvi falar de outras intenções, também. Para mim me basta uma poesia significativa, me basta se tiver significância.

. . .

POESIA É TRÓIA VINGANÇA

 

Poesia pra mim é vingança

Lembrei de mim criança

lembrei da doceria Brigadeiro

onde eu sempre ia

comer tanto doce

Mas tanto comer doce

quanto ver as tartarugas

no laguinho


Eu ia mais pelas tartaruguinhas


Um dia

um tufão furibundo abateu-o etc

um menino partiu a tartaruguinha

o meu porquinho da índia etc

contra a pedra


Lembrando disso

eu não pude escolher eu

escrevi esse poema

Não em nome da tristeza que senti

eu me vingo

Eu me vingo pelo próprio conteúdo

da tristeza que senti

eu me vingo em nome da vida

da tartaruguinha

e contra Cláudio Daniel

quem? 

que disse que a poesia brasileira

é de uma mnemania

muito gracinha muito

banderiana etc


(Beyoncé é legal

O que estraga são os fãs

Idem ibidem pros irmãos

Augusto e Haroldo de Campos)


— desculpa

quem é Azealia Banks?

. . .

CONSTELAÇÕES

 

A noite quente mais ventada

mais azul (que a noite quente

ventada mais escura é a noite

da Bahia) e as cigarras

do sul da França


Associações por som

dentre as quais a rima dá o tom

Lá o canto delas

(com uma brisa tão pesada

quanto a da Bahia)

e outras cenas mais

de mim criança


O quadro de H. Matisse

que minha irmã tatuou no braço

lui qui a une chappelle

à Saint Paul de Vence

A dança

. . .

ANOTHER ONE ABOUT HER (OUTRO SOBRE ELLA)


Escrevi 100 vezes

no meu caderno

o nome de Ella Fitzgerald

à mão. A dama

inscreveu com a voz

sua voz no topo

da canção

. . .

A NOTE ABOUT ELLA


All I've been hearing

is blues. But I ain't sad.

Everytime I dream

about something

this thing comes through.

My blues ain't blue.

. . .

MANIFESTO

 

Buscar

não a palavra poética

mas

a palavra não poética


Muito mais desafiador

Uma palavra que não crie


embora enquanto for palavra

talvez não seja possível

. . .

MARIA ROSA

 

Artigos,

cantigas,

cartas

de horror,

canções de lista,

papéis, papers,

"Ainda é cedo"

"não vá embora",

"A oposição dialética",

todos esses sintagmas

manjados,

frases velhas,

fases duras da vida,

"Escuras flores puras",

"As rosas eram todas amarelas",

não importa o que seja,

a toda hora,

qualquer ideia,

em cada trecho que ando

tudo o que escuto e vejo

me lembra dela

. . .

DOIS SENTIDOS

 

Vamos pensar um pouco sobre sinestesia.

Todo sentido é sinestésico. A própria dobra do pensamento é essa: reunir em um único golpe sensações provenientes de sistemas distintos. Lembremos, são cinco: olfato, audição, paladar, visão e tato. Há sempre inflexões, sempre cedemos a cada vez mais para um dos lados do pentagono – do pentagrama? –, no entanto, lá estão sempre todos reunidos na formação do significado, aquilo que “faz sentido”.

O princípio que os reuniria é: serem todos passivos. Mas nos permitamos isolar dois deles e perguntar pelo seus órgãos: o paladar e o tato, a língua e a mão. Provisoriamente, apenas, aceitemos considerar o paladar passivo. A língua se engaja em outras duas atividades que seriam, então, propriamente ativas: o beijo e a fala. É com ela que o sentido do tato, por sua vez, encontra seu órgão da mão – dotado também de especial pendor comunicativo – sempre em particular cooperação. Não se come nem se cozinha sem usar as mãos, não se fala, não se lê, não se escreve sem as mãos; e, por favor, não venha me beijar sem pegar no meu pescoço.

Antes de Aristóteles ter estabelecido as bases para a nossa teoria com cinco, um filósofo atomista defendia a proeminência do tato como único verdadeiro sentido. Para Demócrito, todo o resto é também decorrência de um toque físico.

Isso é bonito. Mas não esqueçamos que a mão que toca e a língua que masca procuram seu objeto – como o fazem os olhos, o nariz, os ouvidos –, mas também dão novos objetos à luz, dividem-nos com o grupo. A mão e a língua criam para fora da ficção do indivíduo. Independentemente da revisão fenomenológica e a autoria criativa que se queira imputar aos olhos e aos ouvidos, sem a mobilização de outros órgãos, esses não poderiam se engajar em atividades comunicativas. Sim, que os olhos sejam tão dotados de ação quanto quiserem, a linguagem não existirá jamais se essa criação não for partilhada de uma pessoa a outras – por meio das mãos, por meio das bocas.

Criança, meu primeiro vício foi chupar o dedo. Não nos esqueçamos da solidariedade poética entre a língua e a mão. Pelo menos por enquanto, não¹.

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¹ Em uma discussão, um idiota mandou duas mensagens a um menino que pretendia cabular aula: "você está sendo um idiota" e "no sentido grego da polis". Gostaria de acrescentar — a "solidariedade poética" — "no sentido grego da poiesis". Mas gostaria que não me considerassem por isso um idiota, no sentido brasileiro da idiotice.

NOTA SOBRE O TEXTO "A LINGUAGEM DA LÍNGUA"

 

David e Rodrigo me chamaram atenção sobre o papel prismático do paladar. A língua não só beija e fala, ela deglute. O que nos revela, em primeiro lugar, que: as palavras devem ter tanto gosto e textura como comidas e línguas alheias o têm. Em segundo lugar, parte importante do prazer em comer deve ser também uma atividade ativa. Não recebemos passivamente o sabor, mas o criamos, como as outras duas atividades, pelo trabalho da língua.

Se beijar e falar representam para nós distinções da cultura humana, não menos a língua se afasta da natureza quando nos alimenta, porque ela não o faz em nome da subsistência. Slam poetry, ceviche e french kiss são símbolos igualmente dispensáveis e necessários entre si.

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NA LÍNGUA MORAL (A LÍNGUA DO CAPITAL)

para Elaine

Marilyn loved to buy

Tifannys, Cartiers and Gorhams.

Indeed I prefer her

who said

to prefer diamonds

but sat

in the first line of Mocambo

so as Ella could present

where she wasn't allowed to

at that time.

A lot of people say instead

they prefer people

than diamonds.

No,

but they don't do

what she silently did.

Yes,

I don't buy it.

. . .

OVO E GALINHA

 

O que veio antes:

o ovo ou a galinha?

A relação entre som e significado

é motivada pela poesia

ou pela motivação já existente

entre som e significado

é que se pode fazer poesia?


Venho frequentando bastante

as páginas do meu blog.

Acredito que sou

meu mais frequente leitor.

Acredito que o autor

que leio mais frequentemente

sou eu. Quem veio antes:

o ovo ou a galinha?


Estou tentando descobrir

um ritmo certo

para a medida de cada verso.

Se não fosse o som

a página seria um deserto.

"Nunca confundam causas e efeitos:

o problema do Brasil é a elite letrada

e não os analfabetos."

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