Sim
no Blues interessa
o que não é blues
no canto gregoriano
o que não é canto gregoriano
etc
Há entretanto exceções
obsessões
pudera
em Ella Fitzgerald
apenas o que é della
me interessa
. . .
Sim
no Blues interessa
o que não é blues
no canto gregoriano
o que não é canto gregoriano
etc
Há entretanto exceções
obsessões
pudera
em Ella Fitzgerald
apenas o que é della
me interessa
. . .
Nem um olhar
nem um beijo
vale mais que mil palavras
Nenhuma palavra
vale nada
Nem sempre dá
ou se quer sustentar
uma teoria da palavra
que o valha
. . .
A caligrafia da palavra
Amor
Para mim o fato do concretismo
ter construído sua teoria visual
em torno da letra impressa
deixar claro
que há mais de propaganda
que de poética
A língua —
para mim o corpo
Para o meu corpo
Para eu tatuar não o seu nome
mas a sua letra
na íris do meu olho
Por ser essa linha
uma extensão da sua mão
Para eu lhe estender a mão
. . .
A religião material da concretude também é uma forma de transcendência. Ela também busca religar-se com etc; ao que parece, a ligação com uma puta duma propagas do Washington Olivetto, méo. Não faço questão de uma poesia com experimentação de linguagem. Não tenho o último modelo do IPhone 15. Nasci em São Paulo, mas sei de extensões continentais e insulares. Ouvi falar de outras intenções, também. Para mim me basta uma poesia significativa, me basta se tiver significância.
. . .
Poesia pra mim é vingança
Lembrei de mim criança
lembrei da doceria Brigadeiro
onde eu sempre ia
comer tanto doce
Mas tanto comer doce
quanto ver as tartarugas
no laguinho
Eu ia mais pelas tartaruguinhas
Um dia
um tufão furibundo abateu-o etc
um menino partiu a tartaruguinha
o meu porquinho da índia etc
contra a pedra
Lembrando disso
eu não pude escolher eu
escrevi esse poema
Não em nome da tristeza que senti
eu me vingo
Eu me vingo pelo próprio conteúdo
da tristeza que senti
eu me vingo em nome da vida
da tartaruguinha
e contra Cláudio Daniel
quem?
que disse que a poesia brasileira
é de uma mnemania
muito gracinha muito
banderiana etc
(Beyoncé é legal
O que estraga são os fãs
Idem ibidem pros irmãos
Augusto e Haroldo de Campos)
— desculpa
quem é Azealia Banks?
. . .
A noite quente mais ventada
mais azul (que a noite quente
ventada mais escura é a noite
da Bahia) e as cigarras
do sul da França
Associações por som
dentre as quais a rima dá o tom
Lá o canto delas
(com uma brisa tão pesada
quanto a da Bahia)
e outras cenas mais
de mim criança
O quadro de H. Matisse
que minha irmã tatuou no braço
lui qui a une chappelle
à Saint Paul de Vence
A dança
. . .
Escrevi 100 vezes
no meu caderno
o nome de Ella Fitzgerald
à mão. A dama
inscreveu com a voz
sua voz no topo
da canção
. . .
All I've been hearing
is blues. But I ain't sad.
Everytime I dream
about something
this thing comes through.
My blues ain't blue.
. . .
Buscar
não a palavra poética
mas
a palavra não poética
Muito mais desafiador
Uma palavra que não crie
embora enquanto for palavra
talvez não seja possível
. . .
Artigos,
cantigas,
cartas
de horror,
canções de lista,
papéis, papers,
"Ainda é cedo"
"não vá embora",
"A oposição dialética",
todos esses sintagmas
manjados,
frases velhas,
fases duras da vida,
"Escuras flores puras",
"As rosas eram todas amarelas",
não importa o que seja,
a toda hora,
qualquer ideia,
em cada trecho que ando
tudo o que escuto e vejo
me lembra dela
. . .
Vamos pensar um pouco sobre sinestesia.
Todo sentido é sinestésico. A própria dobra do pensamento é essa: reunir em um único golpe sensações provenientes de sistemas distintos. Lembremos, são cinco: olfato, audição, paladar, visão e tato. Há sempre inflexões, sempre cedemos a cada vez mais para um dos lados do pentagono – do pentagrama? –, no entanto, lá estão sempre todos reunidos na formação do significado, aquilo que “faz sentido”.
O princípio que os reuniria é: serem todos passivos. Mas nos permitamos isolar dois deles e perguntar pelo seus órgãos: o paladar e o tato, a língua e a mão. Provisoriamente, apenas, aceitemos considerar o paladar passivo. A língua se engaja em outras duas atividades que seriam, então, propriamente ativas: o beijo e a fala. É com ela que o sentido do tato, por sua vez, encontra seu órgão da mão – dotado também de especial pendor comunicativo – sempre em particular cooperação. Não se come nem se cozinha sem usar as mãos, não se fala, não se lê, não se escreve sem as mãos; e, por favor, não venha me beijar sem pegar no meu pescoço.
Antes de Aristóteles ter estabelecido as bases para a nossa teoria com cinco, um filósofo atomista defendia a proeminência do tato como único verdadeiro sentido. Para Demócrito, todo o resto é também decorrência de um toque físico.
Isso é bonito. Mas não esqueçamos que a mão que toca e a língua que masca procuram seu objeto – como o fazem os olhos, o nariz, os ouvidos –, mas também dão novos objetos à luz, dividem-nos com o grupo. A mão e a língua criam para fora da ficção do indivíduo. Independentemente da revisão fenomenológica e a autoria criativa que se queira imputar aos olhos e aos ouvidos, sem a mobilização de outros órgãos, esses não poderiam se engajar em atividades comunicativas. Sim, que os olhos sejam tão dotados de ação quanto quiserem, a linguagem não existirá jamais se essa criação não for partilhada de uma pessoa a outras – por meio das mãos, por meio das bocas.
Criança, meu primeiro vício foi chupar o dedo. Não nos esqueçamos da solidariedade poética entre a língua e a mão. Pelo menos por enquanto, não¹.
. . .
¹ Em uma discussão, um idiota mandou duas mensagens a um menino que pretendia cabular aula: "você está sendo um idiota" e "no sentido grego da polis". Gostaria de acrescentar — a "solidariedade poética" — "no sentido grego da poiesis". Mas gostaria que não me considerassem por isso um idiota, no sentido brasileiro da idiotice.
David e Rodrigo me chamaram atenção sobre o papel prismático do paladar. A língua não só beija e fala, ela deglute. O que nos revela, em primeiro lugar, que: as palavras devem ter tanto gosto e textura como comidas e línguas alheias o têm. Em segundo lugar, parte importante do prazer em comer deve ser também uma atividade ativa. Não recebemos passivamente o sabor, mas o criamos, como as outras duas atividades, pelo trabalho da língua.
Se beijar e falar representam para nós distinções da cultura humana, não menos a língua se afasta da natureza quando nos alimenta, porque ela não o faz em nome da subsistência. Slam poetry, ceviche e french kiss são símbolos igualmente dispensáveis e necessários entre si.
. . .
para Elaine
Marilyn loved to buy
Tifannys, Cartiers and Gorhams.
Indeed I prefer her
who said
to prefer diamonds
but sat
in the first line of Mocambo
so as Ella could present
where she wasn't allowed to
at that time.
A lot of people say instead
they prefer people
than diamonds.
No,
but they don't do
what she silently did.
Yes,
I don't buy it.
. . .
O que veio antes:
o ovo ou a galinha?
A relação entre som e significado
é motivada pela poesia
ou pela motivação já existente
entre som e significado
é que se pode fazer poesia?
Venho frequentando bastante
as páginas do meu blog.
Acredito que sou
meu mais frequente leitor.
Acredito que o autor
que leio mais frequentemente
sou eu. Quem veio antes:
o ovo ou a galinha?
Estou tentando descobrir
um ritmo certo
para a medida de cada verso.
Se não fosse o som
a página seria um deserto.
"Nunca confundam causas e efeitos:
o problema do Brasil é a elite letrada
e não os analfabetos."
. . .
Na casa de Fernanda Maria Rosana
não sobra fresta em janela
Seu neto me contou há algum tempo
que é porque morre-se de brisa
segundo um provérbio italiano
contado pela velha
Hoje enquanto cruzava a rua
me cruzou um vento frio
Súbito me lembrei de Maria Bethânia
Pronto lhe imaginei cantando
vamos viver no Nordeste
Anarina
vamos morrer
de brisa
. . .
Quando enfim puderem comprovar que os signos não são de todo arbitrários, será importante medir a extensão que designa o som ma. Falo menos do significado também extenso de palavras como mar, mãe ou demais e mais da duração profunda de que se ocupou esse mês de março. E não consigo senão pensar no mês de maio.
Por que se tem raiva do tamanho de maio? Porque se tem pressa. E no entanto é preciso adiar a sua demora. Maio, quando não passa: só então traz suas grandes, largas, dilatadas mudanças, tão verdadeiras. Tão únicas de maio, tão próprias dele, tão somente para os que podem não vê-las: quando o tempo de maio vai junhando no ar de velas e balões rumo ao céu.
Sou levado a crer que têm ma as coisas em que entramos e, ao cabo de um extenso processo, saímos transformados; como o ar vibrando, que, pela boca fechada, sai do nariz até ser finalmente solto na qualidade aberta de um a. Sou ainda novo, mas, creio, quando puderem comprová-lo já estarei morto.
. . .
para Luiz e Moti
Certos tipos de mosquito
deixam apenas uma leve impressão
cinza na mão e na parede
quando são esmagados.
Não se encontram mais patas,
antenas, asas; me pergunto
para onde foi aquele corpo
que pareceu apenas pulverizar-se.
Nesses momentos, fico
com a leve impressão
de que tais tipos de mosquito
têm alma. E deixo de matá-los
até que surja outro da raça.
. . .
para o Chico
Não se pode confundir a história feita a contrapelo com uma história que só compreenda resistências. Há sempre os que cederam, que não resistiram. Me preocupo com o falseamento de quem conte apenas a história da coragem. Perderá a condição humana fundamental da covardia. Adriana Calcanhotto por exemplo construiu sua obra inteira entorno da ausência de brio. Você tem brio? Ou, tão mais simplesmente: talvez porque não haverá mais corajosos se não houver covardes.
. . .
A língua é só uma — a que fala, a que beija. Assim não sei o quão se diferem de fato o falar e o beijar. Um bom beijo nos fala assim como em uma boa conversa as línguas se encontram.
Quando beijamos, a língua se lembra do exercício da fala: essa que beija é a mesma que o dia todo com a linguagem trabalha; e por que na articulação da fala deixaria de haver uma lembrança do beijo? Falar é tentar beijar com palavras.
Falar faz sentido. Não preciso nem falar que beijar também faz sentido. Verdadeiramente acredito que qualquer órgão pensa tanto quanto o órgão cerebral. Minha língua pensa: falando, beijando, na sua forma intercomunicativa, particular e prazerosa de pensamento. Na sua linguagem.
Mas então o que tentamos dizer durante um beijo? Nada mais do que já dizemos.
. . .
O dia é
escuro
A noite é
clara
É: o
dia
a
noite
Por isso o dia denso
a noite fina
Como um dia
negro
que só a noite
ilumina
. . .
e pro Henrique
Que seja um eterno discord,
amigo, comigo concorde:
o som de uma call é um acorde.
. . .