Sigo a máxima hiperrealista
tudo de que falamos é real
Por irremediável realismo
uma vez que se fala em Deus
não negociamos a sua óbvia realidade
É implacável a nossa doutrina
e a de dragões inofensivamente reais
. . .
Sigo a máxima hiperrealista
tudo de que falamos é real
Por irremediável realismo
uma vez que se fala em Deus
não negociamos a sua óbvia realidade
É implacável a nossa doutrina
e a de dragões inofensivamente reais
. . .
para a Alice
Eu sou uma senhora japonesa
Não digo fui uma senhora japonesa
como em vidas passadas
ou algo assim
Sem dúvidas não o escrevo
Não digo
não escrevo que me sinto
uma senhora japonesa
É uma auto-identificação
Eu sou
porque de tal maneira
me identifico com aquelas
com que cruzamos na rua
nós duas
que somos ambas
e isso para mim
é já uma forma de auto-identificação
A única crise existencial jaz
na fantasia de casar com uma outra de nós
mas bem mais nova
bem tão linda
sem saber se isso faz de mim predadora
além de sapatão
. . .
Não o que quer dizer
Nem "como quer dizer"
como diz Daniel Pennac
Mas por que quer dizer
Ou: por que dizer?
Ou: por que sempre falar
em Brasil, José Miguel Wisnik?
Não sou mais antológico
Voltei a ser polêmico
. . .
Versos que eu gostaria de ter escrito
Reverencio a tua beleza
Física também mas não só
Versos que eu gostaria de não ter escrito
Versos que eu gostaria de ter escrito
Mas me recuso a escrever um poema
com versos como
A cachoeira reverbera
As folhas farfalham
e já não sei mais
se o fiz?
Para não dar palanque
para louco crescer
como a gente faz?
Fala ou cala? Não escreve
nem descreve?
. . .
pois nada jamais é perdido
Claude Lévi-Strauss
Imagina
viver uma vida
sem a percerpção química
que do açúcar tem as formigas
Está aqui
Para mim
não foi na perda do narrador
o declínio da experiência
Para mim pode ter sido
nisso
nunca ter enlouquecido
com a quina melada
de uma mesa ao entrar na sala ou
antes
nunca ter ido em direção à sala
suspeitando do melado
já no quarto
Ou jamais também
Porque sinto que tenho várias experiências
E não falo de experiências
que o Grand Hotel oferece
aos turistas na Tailândia
Falo de amor
Que me importa se um autor
cunhou o amor?
E se outro declarou
a perda da experiência
tive experiências
envolvendo o que eu e outros
muito depois
entendemos por amor e raiva
E o ódio me foi formativo
E o riso
mais do que a aura
Me lêem mal?
Não há polêmica
Dentre os lugares que já visitei
o que mais me emocionou
foi o memorial a Walter Benjamin
em Portbou, Cataluña
. . .
Pistache é o novo ninho
com nutela. Há antologias
porque há sempre um novo
sabor, um novo autor,
uma moda, uma fase,
uma era — e por que escrever
um novo poema? A morte
é uma ave velha. Hoje
mesmo eu sonhei com ela.
Evidências arqueológicas na Turquia e na Síria mostram que o pistache já era consumido desde os anos 7000 a.C. Agora, caiu de vez no gosto dos brasileiros e tem feito bonito nas cozinhas e confeitarias.
. . .
22 de fevereiro de 2024
A partir de agora
considero tudo verso
A fala é verso
A falha é verso
A folha é verso
Eu sou quem toma tudo por verso
Eu penso logo everso:
Sentirei saudades do carnaval
Beijava o Antonio todo dia
Talvez seja mesmo o fim da poesia
tal como a conhecíamos
Ou enfim a retomada dela
tal como ela nascia
. . .
20 de fevereiro de 2024
Ano passado eu trabalhei
em fevereiro
e vejo pelos arquivos do blog
que não escrevi poesia
Março passado
escrevi ao todo três poemas
Eram bons
Agora
venho publicar meu segundo poema
só deste dia de hoje
Os dois uma merda
Quem trabalha não escreve
Vejo que preciso voltar a trabalhar
Não tenho prestado muito a escrever
Adília Lopes
teus últimos poemas também são meio ruins
Me diz se paraste de trabalhar
Até onde eu sei nunca começaste
. . .
é bom e fácil de fazer porque todo mundo tem mãe. Quase todo mundo ama a mãe. Isso aquece o coração e as vendas. E quem não ama a mãe fica triste se o assusto é esse. Ainda mais se a tristeza engaja, então é bom e fácil para vender livro de poesia. Mesmo quem não tem pai geralmente tem mãe. Mas eu tenho um amigo que não tem mãe. Ele ama a mãe mesmo assim. Também tenho um amigo que tem um pai muito mais legal que a mãe. Mesmo assim ele acha o contrário. Ele acha que a mãe é o máximo e o pai é o mínimo, sendo que não é nada disso. O avesso também tive: um amigo que a mãe era o máximo e o pai o mínimo, eles sim. Me punha até mais raiva, porque, quando eu tinha esse amigo, ele podia jurar de pé junto sobre a grandeza do pai, chato demais. E tive e tenho muitos amigos com os dois pais legais ou os dois chatos ou um mais legal que outro, só que tudo bem reconhecido no seu devido lugar. E muitos amigos sem pai. Quando criança não vi Rei Leão. Às vezes faço piadas edípicas sobre matar meu pai e casar com etc. Dessa vez não quis falar de nenhum dos dois.
. . .
Caetano e suas canções de lista
Os meus poemas de lista
ou de antologia
— se entre uma e outra
não sei onde faz a risca
O Império de Caetano Veloso
não é um império
Uma lista é paratática
Um império é hipotático
e toda beleza que for anárquica
. . .
9 de fevereiro de 2024
O pau é um ser que diz: pau.
A boceta é um ser que pergunta.
. . .
hoje. Quatro horas densas.
Quatro horas dentro
da água. Quatro horas submersas
em reminiscência da bolsa materna.
Expectativa de vida de 80 anos
e depois disso outra vida eterna
embaixo da terra.
. . .
Clara diz
que não gosta de seu nome
porque denota uma
como
espécie de
— enfim,
vocês entenderam.
Mas, Clara
meu bem,
você é mesmo tão clarinha…
Cidade Universitária, São Paulo
23 de junho de 2022
*
Clara,
você não é obtusa.
Tranquilamente posso-lhe responder
como já o fizeram
Claro, Clara.
Seus trabalhos,
se de cinco a oito,
tomam sempre cinco páginas,
e há uns dias você disse
gostaria de me livrar do meu poder de síntese.
Você é Clara
mais do que porque clarinha
e sobretudo essa claridade
dentre as que a nomearam
é que lhe cabe assumir
ou resplender, ou refletir.
Rio São Francisco, Pão de Açúcar, Alagoas
22 de janeiro de 2024
*
Outra Clara.
Não clarinha,
mas uma preta de pele Clara:
uma Clara parda;
uma chiara oscura;
ou, segundo seu pai: mulata.
Para mim é Clara
porque me acende e faz graça,
porque se me faz farta
a luz que irradia de seu corpo e me mata,
porque é do que preciso
e basta.
Praia do Félix, Ubatuba, São Paulo 1º de fevereiro de 2024
. . .
Nem sempre nosso ressentimento tem a potência destrutiva de Bethânia em Olhos nos Olhos. Às vezes é ainda um arfar cansado e um tanto apaixonado, é não a ruína mas a fantasia de Miúcha ao fazê-lo. Bethânia pode ter a versão trágica definitiva de Olhos nos Olhos, mas nas vezes — e talvez seja a maior parte delas, embora não o queiramos — em que acabamos por acabar "not with a bang, but a whimper", é como Miúcha que nos pegamos cantando.
. . .
Me referi algumas vezes ao colégio em que trabalhei em 2022 e 2023 como minha primeira namorada: antes mesmo de ingressar presencialmente no ensino superior, foi ali que, ao estabelecer uma dimensão da existência que não mais me representava como uma extensão da família — tal como não deixa de ser, em certa medida, enquanto estamos no ensino básico —, o mundo teria me desvirginado. Na festa de confraternização desse mesmo colégio, em que me despedi de dois anos de convivência apaixonada, decidido a viver o que mais para mim se apresentava, revisitei o que disse e entendi que nossa primeira namorada é sempre a mãe, de forma que, em algum momento, precisamos deixar de amá-la para podermos descobrir ou inventar — se forem mesmo duas palavras diferentes — o nosso desejo.
Nesse dia, quando se encerrou a festa, pela primeira vez dormi com uma mulher, professora do colégio. Enquanto a penetrava, percebi que ela parecia um pouco a minha mãe pelada.
. . .
O ano de Pitel, de Pitú, de Alagoas
A década do piseiro
Em breve um século de Dona Morena
97 anos
A concordância
Vão dormirem
Duas turistas conversando
O filme dele é sobre a Ilha?
O filme dele é sobre Tudo
Outra vez Morena
Não conheço São Paulo
agora só depois que morrer
vou
espantar essa gente
com medo de arma
E o meu retorno àquela cidade
de armas penadas
. . .
31.12.23
Tire dos seus olhos
esse verde de Louva-Deus
Não me mate
Não me coma
Tira o verde desses ói
de riba d'eu
. . .
25.12.23
Virgínia
o que será que ela fará
a uma hora dessas?
Limpeza de pele?
Limpeza das gorduras acumuladas
sob a pele?
Lavagem dos doze automóveis
Lavagem de dinheiro
em mais doze automóveis
Nessa hora corta totalmente os carboidratos
enfim tempos de merda
A verdade sim rima
O problema é que em eras como essas
não há rima de verdade
não há rima possível ou certa
O poema sai assim xoxo
como se feito às pressas
e lhe enxertassem umas peças
Virgínia
musa às avéssas
. . .
4.11.23
Quem via pensava que éramos conhecedores comuns, conjuntos, coincidentes. Isto é o que eu vê-penso: os nossos saberes, o que a gente pensava e sentia, conhecidia.
É preciso amar as pessoas
Feri-las ferinamente também
se é o caso
com direção e endereço
– Marina Dias você é um urubu
*
Espanta teus males embora
Espanca, canta eles agora
e pule e pulse e expulse-os
logo pra fora
*
já falei com vc
vc quer o quê?
querê quero erê u ê
já falei de tudo
sobretudo eu com vc
. . .