MEU BOY

8/10/2023

meu boy meu boi meu touro

meu bezerrinho

meu cordeiro de Deus

que me dais os pecados do mundo

me mama

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CARTOGRAFIA DO HEMISFÉRIO-FÊMEA

22/09/2023

Meu tom de pele

calça cáqui

Meu corpo um fruto

do caqui rançoso na boca

que ninguém quer comer

Minha magreza de ruim

Meu rosto bonito contudo

Meu coração peludo

Minha pele de rã sem pelos

A frieza do meu coração

Meus ideais

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IRREMEDIÁVEL NEON

Inspirado, editado e roubado por mim, outra vez — quase sempre — do Totô.


Gosto dos que me fazem vibrar — e digo: gosto de conhecer para aprender a vibrar melhor. Gosto da palavra estendida ao comprido de sua graça, porque é graciosa e engraçada. E se me ensinam o alfabeto grego, o cirílico e mil kanjis é sim, sim, senhor, porque me masturbar em 26 letras é pouco e escasso: quero cruzar todas palavras de todos os cantos. É para chorar um amor em versos líricos e mais tarde em ironia cáustica; para saber o sólido geométrico que melhor se encaixa na minha tristeza; para conhecer as etimologias e rir de Pedros, coitados, que são pedra.

Quem ainda quer ler o mundo? Como se houvesse coisa pra ler. Um entre outros mil, tinha-se lido que, há pouco mais de dez anos, o mundo acabaria. Coisa ainda pior na aparente ausência de mitologias: não percebem, recalcada mesmo na certeza objetiva dos fatos, a suposição de uma redenção mal assumida. Empanturram-se de números, esquadrinham-se em gráficos e eixos e, mesmo assim, não enxergam que o percurso de seus pensamento traça uma imensa cruz. Sonham: sair da caverna com um gesto heróico; ver dobrar o espaço, já rendido em apokálypsis; assistir ao revelar da farsa; a caverna desmanchar-se em planos não cartesianos; o tempo desembaraçar-se. E no entretanto não há redenção: o demiurgo não cogitou o fogo e não houve plano por se manifestar na saída da caverna. Andou-se em circulos. Sinos não foram tocados. Não desceram quatro cavaleiros, nem surgiu, dos céus, a tal da puta da Babilônia. Para que então, reter-se, mortificar-se à espera dê? Por que cultivar a redenção oculta no estudo dos algoritmos e funções numéricas? Alguém avise: a máquina do mundo não vai se abrir, o gabinete não será invadido por cachorros falantes e não haverá pacto que resolva. Já se leu tudo. Já se escreveu — a sério — uma Bíblia, e nem assim a redenção chegou. Querem continuar a resmungar objetividade, como quem resmunga a certeza da volta de Cristo? Desenrolem ao infinito o perímetro da circunferência, e andem em círculos científica, precisa, calculada, rigorosamente. 

Se não há explosões, não há dragões, pelo menos que nos divirtamos com entrar e sair da caverna. Deixem que se projete todo um teatro nas sombras. Animem-se como as crianças com animais feitos contra a luz pelo contorcionismo das mãos. Usem, pelo amor de Deus, o saber oculto do mundo de lá para projetar deliciosas fodas, e que se foda que sejam sombras. Fiquem aí os disciplinados leitores, os ascéticos cientistas, calculando o valor de zero sobre o nada, à espera do seu Cristo Numérico. Perderão o show das luzes e das sombras.

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A PARTIR DE POST DO TOTÔ


aos meus netos direi que aos 20

fazia palíndromos andava em círculos

via vídeos no youtube


aos meus filhos direi que desenhava

lia e chorava

com músicas de amor

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TRANSIGN OR INTRASIGN


Eu detesto design não é por arrepiar a um estrangeirismo. Ontem, eu aprendi: que o inglês é uma língua franca.

Não é uma questão linguística ou gramatical. Não falo hoje das palavras. Falo das coisas.

É que elas terminam por se encaminhar ao lugar próprio delas. O design, na sua qualidade desenhada de designação, se preocupa com o lugar que jamais será o finalmente ocupado pelas coisas.

E nunca desenhar as coisas, mas desentranhá-las. No mundo, há um vão. Portanto, elas vão.

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PARTIDO EM DUAS PARTES


Foi nos arrecifes

Foi aos arrebates

Pelos arredores foi

que as ondas quebravam


e no centro delas

era onde eu me encontrava

quando você chegou

na hora mais exata

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TERESA


Louco, a corrigir traduções

eu velo você,

cuja imagem me põe,

etimológico, louco,

um sopro um vento de Deus revolvendo Todas-as-Águas.

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NOSSA POESIA NÃO SERÁ BURGUESA OU NÃO SERÁ

 22/08/2023

O primeiro amor homossexual

do meu primeiro grande leitor

disse que minha poesia é burguesa


 era burguesa:

agora lixo nuclear

será, embora como resíduo

financiado pela burguesia

produtora da droga e da miséria,

elas sobretudo burguesas

segundo o método materialista dialético de análise

mais que o encanto.


Não. Manifesto

a favor do dia em que a graça não se leia

como burguesa,

e se o primeiro amor homossexual permitir

escreveremos encantados e

graciosos mas não burgueses:

encantosos

engraçados

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PARA UMA BREVE HISTÓRIA DA LUZ

23/8/2023 

A velocidade da luz

também é aquela

com que se cai uma tarde:

lenta.


Repentina,

mas não é rápida

— é lenta.

Assustada,

mas é lenta.

Brusca;

lenta.


O trajeto da luz é veloz,

o seu itinerário não.


Meu dia dura 24 horas

de precisão mais social que científica.

As 24 horas passam lentas

hoje. 24 horas de dor

e de uma luz lenta

que não passa.


Seu trajeto não me é retilíneo.

Mais que um trajeto

a luz tem nos dias pungentes como hoje

um itinerário

lento e de dor

lenta.

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ALTO MAR

 

Livrar-se de si não é tarefa fácil, porque estamos sempre muito atentos à possibilidade de nos deixarmos. É impossível deixar-se de uma vez por todas, amputar-se: logo sentimos o golpe violento do corte inicial, nos protejemos, realocados para a parte disponível. Nós migramos pelo medo que temos de expulsar o que é próprio. Por isso é preciso não assustar o eu.

Boa armadilha consistirá num gradual esquecimento de si a ponto que não haja mais o que guardar. Pular na água fria é impedir a exorcização de si, é conjurar-se. Nos perderemos apenas quando conhecermos a arte do lento despojo. Só quando nos despirmos, sem a iminência, sem a emergência de um choque térmico, poderemos, enfim, ficar nus dentro da água. Boiarmos, e adeus terra firme. Sol e sal rumo à verdadeira salvação.

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VOCÊS NÃO VÃO ACREDITAR

 10/07/2023


Os inocentes do Leblon

gravaram o navio ao entrar.

Trouxe ácido hialurônico.

Trouxe suplemento de açaí.

Trouxe o óleo suave que eles passam nas costas.

Eles te mostram o que você ignora:

onde encontrar a areia mais quente e como ter o óleo suave

que eles passam nas costas. Esquece.

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DISCURSOBREVIVÊNCIA DE MARIA (IAIÁ)

6/07/2023


Todo mundo me chama de alguma coisa.

Na minha família é Lia.

Uma menina me chamava de Bahia.

O Miguel é meu padrinho,

porque ele me chamou de Iaiá.

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SAMBA DIFERENTE

 30/06/2023


Soar ou suar é questão de abertura

dos tratos vocais

mas de poros mais que de vogais

de fluidos


Ambos devém o interior em exterior

Comungam

comunicam


Suar e soar é questão de ritmo

e o ritmo é uma questão de corpo

e não cai na roda

quem tem perna bamba

e quem não tem balangandãs

não vai ao Bonfim

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APELO A CONTRAPELO

24/06/2023

 

A Igreja de Santa Luzia tem saudades de ver o mar.

Façam um milagre:

tornem-lhe plena do ar do sal.

Ela já está cheia de arder ao sol.


Pensem na capela carioca.

Lembrem que a imagem dela tem sede

de refletir-se na praia que havia lá.


Intercedam pela Santa.

Cuidem dos seus olhos.

Vejam.

Não é tarde.

Não se enganem.

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AS SAPEQUICES DO MENINO DOURADO

por Clara Prado

para o proprietário destes meios de expressão


Ninguém me para!

— Ele disse e depois parou.

O menino de ouro cansou

De gostar das mesmas entradas.


Ah, não me levem a mal!

Sapeca pepeca pecar,

Mesmo sujinho consigo brincar

(Brilhar?).

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POEMA RETIRADO DE UM ENSAIO DE PAZ

 

Não a aranha que vejo,

mas essa que digo.

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EXPLICAÇÃO


Há muitos poetas; há

poucos leitores; porque

há, antes, tantos assaltados

e tão poucos assaltantes.

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"YES, I HAVE IT"

Ao editor


Tenho poemas.

Sim, tenho.

Tenho também profemas.

Eu tenho.

O sr. quer comprar

bananas?

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