POEMA COM EXCERTO DE JORNAL

 

Pistache é o novo ninho

com nutela. Há antologias

porque há sempre um novo

sabor, um novo autor,

uma moda, uma fase,

uma era — e por que escrever

um novo poema? A morte

é uma ave velha. Hoje

mesmo eu sonhei com ela.


Evidências arqueológicas na Turquia e na Síria mostram que o pistache já era consumido desde os anos 7000 a.C. Agora, caiu de vez no gosto dos brasileiros e tem feito bonito nas cozinhas e confeitarias.

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VERSOMAN

22 de fevereiro de 2024

 

A partir de agora

considero tudo verso

A fala é verso

A falha é verso

A folha é verso

Eu sou quem toma tudo por verso

Eu penso logo everso:

Sentirei saudades do carnaval

Beijava o Antonio todo dia


Talvez seja mesmo o fim da poesia

tal como a conhecíamos

Ou enfim a retomada dela

tal como ela nascia

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NOSSA POESIA SERÁ BURGUESA

 20 de fevereiro de 2024

Ano passado eu trabalhei

em fevereiro

e vejo pelos arquivos do blog

que não escrevi poesia


Março passado

escrevi ao todo três poemas

Eram bons


Agora

venho publicar meu segundo poema

só deste dia de hoje

Os dois uma merda


Quem trabalha não escreve

Vejo que preciso voltar a trabalhar

Não tenho prestado muito a escrever


Adília Lopes

teus últimos poemas também são meio ruins

Me diz se paraste de trabalhar

Até onde eu sei nunca começaste

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POEMA SOBRE MÃE

 

é bom e fácil de fazer porque todo mundo tem mãe. Quase todo mundo ama a mãe. Isso aquece o coração e as vendas. E quem não ama a mãe fica triste se o assusto é esse. Ainda mais se a tristeza engaja, então é bom e fácil para vender livro de poesia. Mesmo quem não tem pai geralmente tem mãe. Mas eu tenho um amigo que não tem mãe. Ele ama a mãe mesmo assim. Também tenho um amigo que tem um pai muito mais legal que a mãe. Mesmo assim ele acha o contrário. Ele acha que a mãe é o máximo e o pai é o mínimo, sendo que não é nada disso. O avesso também tive: um amigo que a mãe era o máximo e o pai o mínimo, eles sim. Me punha até mais raiva, porque, quando eu tinha esse amigo, ele podia jurar de pé junto sobre a grandeza do pai, chato demais. E tive e tenho muitos amigos com os dois pais legais ou os dois chatos ou um mais legal que outro, só que tudo bem reconhecido no seu devido lugar. E muitos amigos sem pai. Quando criança não vi Rei Leão. Às vezes faço piadas edípicas sobre matar meu pai e casar com etc. Dessa vez não quis falar de nenhum dos dois.

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A CHEGADA DO SAMBA


Caetano e suas canções de lista


Os meus poemas de lista

ou de antologia


— se entre uma e outra

não sei onde faz a risca


O Império de Caetano Veloso

não é um império


Uma lista é paratática

Um império é hipotático


e toda beleza que for anárquica

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Quatro horas na piscina

 

hoje. Quatro horas densas.

Quatro horas dentro

da água. Quatro horas submersas

em reminiscência da bolsa materna.

Expectativa de vida de 80 anos

e depois disso outra vida eterna

embaixo da terra.

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POEMA EM TRÊS TEMPOS SOBRE DUAS CLARAS


Clara diz

que não gosta de seu nome

porque denota uma

como

espécie de

— enfim,

vocês entenderam.


Mas, Clara

meu bem,

você é mesmo tão clarinha…

Cidade Universitária, São Paulo

23 de junho de 2022

*

Clara,

você não é obtusa.


Tranquilamente posso-lhe responder

como já o fizeram

Claro, Clara.


Seus trabalhos,

se de cinco a oito,

tomam sempre cinco páginas,

e há uns dias você disse

gostaria de me livrar do meu poder de síntese.


Você é Clara

mais do que porque clarinha

e sobretudo essa claridade

dentre as que a nomearam

é que lhe cabe assumir

ou resplender, ou refletir.

Rio São Francisco, Pão de Açúcar, Alagoas

22 de janeiro de 2024

*

Outra Clara.

Não clarinha,

mas uma preta de pele Clara:

uma Clara parda;

uma chiara oscura;

ou, segundo seu pai: mulata.


Para mim é Clara

porque me acende e faz graça,

porque se me faz farta

a luz que irradia de seu corpo e me mata,

porque é do que preciso

e basta.

Praia do Félix, Ubatuba, São Paulo 1º de fevereiro de 2024

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SOBRE MÚSICA, 1

 

Nem sempre nosso ressentimento tem a potência destrutiva de Bethânia em Olhos nos Olhos. Às vezes é ainda um arfar cansado e um tanto apaixonado, é não a ruína mas a fantasia de Miúcha ao fazê-lo. Bethânia pode ter a versão trágica definitiva de Olhos nos Olhos, mas nas vezes — e talvez seja a maior parte delas, embora não o queiramos — em que acabamos por acabar "not with a bang, but a whimper", é como Miúcha que nos pegamos cantando.

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