CARTOGRAFIA DO HEMISFÉRIO-FÊMEA

22/09/2023

Meu tom de pele

calça cáqui

Meu corpo um fruto

do caqui rançoso na boca

que ninguém quer comer

Minha magreza de ruim

Meu rosto bonito contudo

Meu coração peludo

Minha pele de rã sem pelos

A frieza do meu coração

Meus ideais

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IRREMEDIÁVEL NEON

Inspirado, editado e roubado por mim, outra vez — quase sempre — do Totô.


Gosto dos que me fazem vibrar — e digo: gosto de conhecer para aprender a vibrar melhor. Gosto da palavra estendida ao comprido de sua graça, porque é graciosa e engraçada. E se me ensinam o alfabeto grego, o cirílico e mil kanjis é sim, sim, senhor, porque me masturbar em 26 letras é pouco e escasso: quero cruzar todas palavras de todos os cantos. É para chorar um amor em versos líricos e mais tarde em ironia cáustica; para saber o sólido geométrico que melhor se encaixa na minha tristeza; para conhecer as etimologias e rir de Pedros, coitados, que são pedra.

Quem ainda quer ler o mundo? Como se houvesse coisa pra ler. Um entre outros mil, tinha-se lido que, há pouco mais de dez anos, o mundo acabaria. Coisa ainda pior na aparente ausência de mitologias: não percebem, recalcada mesmo na certeza objetiva dos fatos, a suposição de uma redenção mal assumida. Empanturram-se de números, esquadrinham-se em gráficos e eixos e, mesmo assim, não enxergam que o percurso de seus pensamento traça uma imensa cruz. Sonham: sair da caverna com um gesto heróico; ver dobrar o espaço, já rendido em apokálypsis; assistir ao revelar da farsa; a caverna desmanchar-se em planos não cartesianos; o tempo desembaraçar-se. E no entretanto não há redenção: o demiurgo não cogitou o fogo e não houve plano por se manifestar na saída da caverna. Andou-se em circulos. Sinos não foram tocados. Não desceram quatro cavaleiros, nem surgiu, dos céus, a tal da puta da Babilônia. Para que então, reter-se, mortificar-se à espera dê? Por que cultivar a redenção oculta no estudo dos algoritmos e funções numéricas? Alguém avise: a máquina do mundo não vai se abrir, o gabinete não será invadido por cachorros falantes e não haverá pacto que resolva. Já se leu tudo. Já se escreveu — a sério — uma Bíblia, e nem assim a redenção chegou. Querem continuar a resmungar objetividade, como quem resmunga a certeza da volta de Cristo? Desenrolem ao infinito o perímetro da circunferência, e andem em círculos científica, precisa, calculada, rigorosamente. 

Se não há explosões, não há dragões, pelo menos que nos divirtamos com entrar e sair da caverna. Deixem que se projete todo um teatro nas sombras. Animem-se como as crianças com animais feitos contra a luz pelo contorcionismo das mãos. Usem, pelo amor de Deus, o saber oculto do mundo de lá para projetar deliciosas fodas, e que se foda que sejam sombras. Fiquem aí os disciplinados leitores, os ascéticos cientistas, calculando o valor de zero sobre o nada, à espera do seu Cristo Numérico. Perderão o show das luzes e das sombras.

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A PARTIR DE POST DO TOTÔ


aos meus netos direi que aos 20

fazia palíndromos andava em círculos

via vídeos no youtube


aos meus filhos direi que desenhava

lia e chorava

com músicas de amor

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TRANSIGN OR INTRASIGN


Eu detesto design não é por arrepiar a um estrangeirismo. Ontem, eu aprendi: que o inglês é uma língua franca.

Não é uma questão linguística ou gramatical. Não falo hoje das palavras. Falo das coisas.

É que elas terminam por se encaminhar ao lugar próprio delas. O design, na sua qualidade desenhada de designação, se preocupa com o lugar que jamais será o finalmente ocupado pelas coisas.

E nunca desenhar as coisas, mas desentranhá-las. No mundo, há um vão. Portanto, elas vão.

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PARTIDO EM DUAS PARTES


Foi nos arrecifes

Foi aos arrebates

Pelos arredores foi

que as ondas quebravam


e no centro delas

era onde eu me encontrava

quando você chegou

na hora mais exata

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TERESA


Louco, a corrigir traduções

eu velo você,

cuja imagem me põe,

etimológico, louco,

um sopro um vento de Deus revolvendo Todas-as-Águas.

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NOSSA POESIA NÃO SERÁ BURGUESA OU NÃO SERÁ

 22/08/2023

O primeiro amor homossexual

do meu primeiro grande leitor

disse que minha poesia é burguesa


 era burguesa:

agora lixo nuclear

será, embora como resíduo

financiado pela burguesia

produtora da droga e da miséria,

elas sobretudo burguesas

segundo o método materialista dialético de análise

mais que o encanto.


Não. Manifesto

a favor do dia em que a graça não se leia

como burguesa,

e se o primeiro amor homossexual permitir

escreveremos encantados e

graciosos mas não burgueses:

encantosos

engraçados

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