POENTE ANTIGO NO BAR DOS AMIGOS


Então aqui vem se acabar

a Rua Cayowaá.

Então é aqui?

Pra mim você era

mais moça. Pra mim

você: era.

Eu te imaginava mais

pomposa e lembrava também

daquele condomínio

na sua primeira quadra

quase dando no metrô,

onde morava a colega de sala.

De repente me lembro

do endereço: 2046; grande,

de crepúsculo e não de aurora.

Nunca pesei que o sol poderia ter nascido

deste outro lado e de caminho cruzado

só então me encontrar.

Nunca cogitei que não trouxesse

eu o sol,

ou que ele nascesse distante

dos meus olhos. Mas ele

se põe. E antes mesmo ele nasce.

E isto aqui é o antes

que eu não via.

Não acaba aqui a Rua Cayowaá.

Agora eu vejo.

Depois de tudo, enfim,

chega a hora do começo.

. . .

EPÍGRAFE PARA HANNAH ARENDT


O mundo está decididamente encantado.

É a graça. É fugaz: logo passa.

Agora o mundo de plástico me abraça.*

Miguel Bivar Marquese


Esta ampliação da esfera privada, o encantamento, por assim dizer, de todo um povo, não a torna pública, não constitui uma esfera pública, mas, ao contrário, significa apenas que a esfera pública refluiu quase que inteiramente, de modo que, em toda parte, a grandeza cedeu lugar ao encanto; pois embora a esfera pública possa ser grande, não pode ser encantadora precisamente porque é irrelevante.


*E isto também é real embora não agrade ao poeta Régis Bonvicino (nota do epigrafista).

. . .

CINCO FATOS QUE VOCÊ NÃO SONHAVA SOBRE O PESADELO


Aquele dia você tombou

tonta, se apoiava

num não vi ao certo —

fazia escuro. Desde aquela noite

em que você,

depois de se levantar,

caiu de novo,

seis anjos me carregam,

sete demônios me dão de comer,

e meu único anjo da guarda

me sentou na única cadeira

como consolo.

Partimos sapatinho de cristal.

Não bastou.

Queimamos brinco de ouro.

Não passou.

Permaneço hoje sentado,

mas oito espíritos da floresta me conduzem,

nove passos à frente, eles vão,

desbastando as árvores,

cuidando para que eu não veja

o vento abater nenhuma folha;

e nunca outra queda

me lembre de que você bebeu de novo.

Desde então, dez vetustas

me jogam na cara sua ordem de vínculo

e pouco nível de compromisso;

onze bailarinas fazem da minha vida

um circo.

. . .