PROJETO DE TEXTO


Construir um prédio assim-ó:

no primeiro andar, amores...

No segundo, só dores...

No terceiro, uma escada rolante que passasse pelo primeiro,

daí voltasse pelo segundo através duma sala toda espelhada,

de pé direito alto,

pé direito tão alto que poderia alcançar

um espaço integrado à Rua Marquês de Sapucá

por onde se fará entrar, caso queiram,

diretamente em nosso terceiro andar:

de conceito aberto,

encanação exposta

e piso industrial...

No quarto, ah que lindo,

um terraço: flores...

. . .

ilustração pelo Antonio Yudi

O


Mijaram ali um ano atrás.

Há dois dias mijaram

bem ali. No mesmo ponto

estão mijando agora.


As folhinhas continuam dispostas

uma trançando outra

em torno da extinta poça seca.

Sabem, sinto que guardam,

a memória do mijo

ou pelo menos sofrem

a memória do mijo.


Aquilo nem chega a ser

memória, se chegou

já foi e é só

agora

decorrência de tudo

murmurando claro:

estive aqui

vocês não sabem.

Essa é a pior das vinganças…


Aquilo não é esquecimento.

Está tudo dentro.

Nem se perdeu: não há mapa.

Não é cicatriz

se não conta da queda.

Aquilo é

na recorrência do nada que ia,

do nada que já é um dia


e sinto que segue

produzindo mijinho:

farfalho de folha

pra traçar o caminho.

. . .

JUSTIÇA SOCIAL


Aquela publicitária é uma poeta

aceito

aquela publicitária é uma poeta

Que fazer? é uma poeta

dizendo assim

um UBER-Flash leva

de casacos de ex a cartas de amor


A serviço do capital se fez poesia

Contra os críticos poesia

Contra mim poesia

Ela fez intransigentemente poesia

Não tinha esse direito

Não queríamos que o tivesse

Mas o arrancou com seus dentes esmaltados

com esmalte de sua faculdade de Propaganda e Marketing


Ela nasceu faz uns anos

Mais o menos os mesmos suponho

que aquele publicitário

que fez aquele vídeo

que tinha a boa cantora cantando

Chega de Saudade

e me tocou


Torço pro casamento dos dois

Então

eu os atropelarei em um Uber

e com o rádio tocando Chega de Saudade

triunfarei sobre a carne vendida deles

Eu caríssimo muito mais

sempre eterno justamente

poeta

. . .