Louco, a corrigir traduções
eu velo você,
cuja imagem me põe,
etimológico, louco,
um sopro um vento de Deus revolvendo Todas-as-Águas.
. . .
Louco, a corrigir traduções
eu velo você,
cuja imagem me põe,
etimológico, louco,
um sopro um vento de Deus revolvendo Todas-as-Águas.
. . .
22/08/2023
O primeiro amor homossexual
do meu primeiro grande leitor
disse que minha poesia é burguesa
— era burguesa:
agora lixo nuclear
será, embora como resíduo
financiado pela burguesia
produtora da droga e da miséria,
elas sobretudo burguesas
segundo o método materialista dialético de análise
mais que o encanto.
Não. Manifesto
a favor do dia em que a graça não se leia
como burguesa,
e se o primeiro amor homossexual permitir
escreveremos encantados e
graciosos mas não burgueses:
encantosos
engraçados
. . .
23/8/2023
A velocidade da luz
também é aquela
com que se cai uma tarde:
lenta.
Repentina,
mas não é rápida
— é lenta.
Assustada,
mas é lenta.
Brusca;
lenta.
O trajeto da luz é veloz,
o seu itinerário não.
Meu dia dura 24 horas
de precisão mais social que científica.
As 24 horas passam lentas
hoje. 24 horas de dor
e de uma luz lenta
que não passa.
Seu trajeto não me é retilíneo.
Mais que um trajeto
a luz tem nos dias pungentes como hoje
um itinerário
lento e de dor
lenta.
. . .
Livrar-se de si não é tarefa fácil, porque estamos sempre muito atentos à possibilidade de nos deixarmos. É impossível deixar-se de uma vez por todas, amputar-se: logo sentimos o golpe violento do corte inicial, nos protejemos, realocados para a parte disponível. Nós migramos pelo medo que temos de expulsar o que é próprio. Por isso é preciso não assustar o eu.
Boa armadilha consistirá num gradual esquecimento de si a ponto que não haja mais o que guardar. Pular na água fria é impedir a exorcização de si, é conjurar-se. Nos perderemos apenas quando conhecermos a arte do lento despojo. Só quando nos despirmos, sem a iminência, sem a emergência de um choque térmico, poderemos, enfim, ficar nus dentro da água. Boiarmos, e adeus terra firme. Sol e sal rumo à verdadeira salvação.
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10/07/2023
Os inocentes do Leblon
gravaram o navio ao entrar.
Trouxe ácido hialurônico.
Trouxe suplemento de açaí.
Trouxe o óleo suave que eles passam nas costas.
Eles te mostram o que você ignora:
onde encontrar a areia mais quente e como ter o óleo suave
que eles passam nas costas. Esquece.
. . .
6/07/2023
Todo mundo me chama de alguma coisa.
Na minha família é Lia.
Uma menina me chamava de Bahia.
O Miguel é meu padrinho,
porque ele me chamou de Iaiá.
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30/06/2023
Soar ou suar é questão de abertura
dos tratos vocais
mas de poros mais que de vogais
de fluidos
Ambos devém o interior em exterior
Comungam
comunicam
Suar e soar é questão de ritmo
e o ritmo é uma questão de corpo
e não cai na roda
quem tem perna bamba
e quem não tem balangandãs
não vai ao Bonfim
. . .
Eu tenho os olhos doidos-doidos
e doídos de doidos por ti.
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24/06/2023
A Igreja de Santa Luzia tem saudades de ver o mar.
Façam um milagre:
tornem-lhe plena do ar do sal.
Ela já está cheia de arder ao sol.
Pensem na capela carioca.
Lembrem que a imagem dela tem sede
de refletir-se na praia que havia lá.
Intercedam pela Santa.
Cuidem dos seus olhos.
Vejam.
Não é tarde.
Não se enganem.
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por Clara Prado
para o proprietário destes meios de expressão
Ninguém me para!
— Ele disse e depois parou.
O menino de ouro cansou
De gostar das mesmas entradas.
Ah, não me levem a mal!
Sapeca pepeca pecar,
Mesmo sujinho consigo brincar
(Brilhar?).
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Há muitos poetas; há
poucos leitores; porque
há, antes, tantos assaltados
e tão poucos assaltantes.
. . .
Ao editor
Tenho poemas.
Sim, tenho.
Tenho também profemas.
Eu tenho.
O sr. quer comprar
bananas?
. . .
Não sei se o romance morreu.
Não quero saber.
Tenho raiva de quem sabe.
Nunca cogitamos velório.
Eu? Não. Viu? Obrigado.
Licença? Claro.
Por favor. Pode passar.
. . .
Alberto veio me procurar algum tempo depois de eu pedir papel e caneta. Eu queria conversar mas não era possível, pois só joga papo fora quem o tem de sobra. Aqui estão as enfermeiras todas muito ocupadas. Elaine era o nome da que primeiro falou comigo e já não sei quem ela é. Gostaria de ter-lhe dito que tenho uma prima chamada Elaine. E que a sedação foi tão boa que sedado o que sinto é muito bom. Ou, talvez: se na verdade é mais uma impressão, e na verdade o bom vem de depois do apagão estar vivo. Mas uma suave vida apagada na seda... de forma que tantos americanos se viciam em morfina. São efeitos parecidos?, não há a quem possa fazer a pergunta. Peço para conversar com as enfermeiras e pelo meu estado devem pensar que minha vontade de conversar é vã como o sedativo — e? Por isso não importa? Como têm mais o que fazer, pelo menos uma mais gentil atendeu ao meu pedido de papel e caneta. Vejo que a escrita é um arremedo da solidão quando espreita o medo. Mas endereçando-a. A mim? Não sei. Medo de quê? Não sei. Sei que ela potencialmente me revela o que agora só com o torpor nas mãos poderia registrar. E se a escrita revela-me, então a quem? Não sei. Ao menos logo chamarão minha mãe. O tempo suficiente para, de pouco em pouco, me desinteressar do por um instante divino suco de maçã; para deixar de — deixei. Mas o doutor (terá doutorado?) parece que sabe como é, segundo umas das enfermeiras; já o chamaram há tempo e não vem. Seu nome: alguma coisa com L, talvez Loreto. Só faço pensar naquela atriz bonita que não é a Camila Pitanga.
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Nem
uma pedra no caminho
Ausência delas
Nenhum cenário
mais remotamente concebido
como iminência possível
de tropeços empecilhos base para barricadas
Ou atirar pedras porra
Não tem pedra no caminho
Caminho sem pedras
sem caminho
aqui não há nada
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Poema com o qual acho que não concordo
mas que talvez agrade o coração do poeta Régis Bonvicino.
Poema retirado do meu comentário digital
Burro! Estronda como um esturro
O alarido estúpido do seu urro...
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POEMAS TERRIVELMENTE LINGUÍSTICOS
O João perguntou quando a Maria vem;
o João perguntou: a Maria vem quando?
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