POEMAS SÃO COMO LISTAS


De versos

os poemas são antologias


Tenho aprendido a aceitar

a poesia confessional mas

também o ódio à poesia confessional

Sob o signo de Confúcio

tenho me tornado mais brando


Há diversas coisas

que se produzem como poemas

Há muito preto no branco

de uma página que não é poema

e não há problema

Assim como nem tudo é preto no branco

Assim como é difícil de reconhecer como verso uma linha que se extenda

tanto


Diversas coisas

recortadas

pelo branco da página

nos comunicam

São como yinyang

são como listas

Hoje antes da análise

na antessala sobre o caderno

eu escrevia:


Encerramento

briga com pai

vontade de falar de outras coisas

produção de diferenças

pessoas mais velhas

Provas

fim do semestre

tranquilidade

animação

Gabe

amigos o tempo todo

trocas

me ver como branco

me ver

. . .

ENCARTE DE "JOAO GILBERTO EN MEXICO" (1970)

 

Esse disco se deve a Mariano Rivera Conde. Vim passar dez dias no México e encontrei Mariano, que eu já conhecia muito, por procuração (via Antonio Prieto). Mariano me convidou para fazer um disco com ele, da maneira mais hospitaleira. Fui ficando, de repente estava morando mesmo. Fiquei mais de um ano, o México é uma maravilha. Ouvi galo cantando no meio do dia, da tarde, de madrugada, de noite – há quanto tempo eu não via isso. Gato, galhinha, carneiro, pato, papagaio, onze perus, cachorro, tem uns onze; é tudo de um senhor que mora aqui embaixo, no barranco. Ainda tem duas filhas, dois filhos e uma porção de netos. Um dia ele matou um porco e dividiu entre os vizinhos todos. Disse que é para se fazer assim.

Oscar Castro Neves chegou de Los Angeles, tirou os sapatos, alugou um piano, pendurou o som, ficou feito uma luz. Parecia a estrela dalva que daqui se mira.

Chico Batera desapareceu. Não tirou os sapatos e disse que não ia pendurar nada, não. Aí, fez os sons de percussão com José Luis Ferra "La Manja". No fim, eu dei um pedaço de bolo a ele. Ele ficou calado, comeu e começou a engordar. Depois, ficou magro de novo. Aí, ficou assim o dia todo.

Manuel, da cabine de seu avião, comandou a turma do som - Roberto, Bernardo, Rico - com toda boa vontade e amor.

Mariano, um grande amigo, das melhores pessoas que já vi.

Eu quero que esse disco dê um abraço no bonfá em todos os meus amigos.

Minha gratidão e um grande abraço ao Dr. Pedro Bloch.

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QUANTO AO CINEMA

 

De tal forma o reconhecimento das grandes virtudes de algo responde a seus grandes vícios que, na verdade, o movimento é um só: do seu ponto forte se faz seu ponto cego, e o contrário. Fernando Pessoa o compreendeu melhor que ninguém. Porque Campos é tão metafísico, verborrágico: é tão infinito, mas tão limitado. Por ser Caeiro excessivamente didático que é pernóstico e humilde, é um idiota e um mestre. Na sua aristocracia, Soares encontrou aquilo que procurávamos tanto e que tanto precisamos condenar. Mas apesar da filologia pessoana, não considero sua obra incompleta e sim aberta. As posições trocam-se, sempre, estão sempre transformadas: é como se Caeiro, Campos, Soares, Reis, ao mesmo tempo, estivessem inacabados e continuamente a se referir, a se reescrever, a escrever Pessoa — de novo. Tanto nunca quanto para sempre.

Depois de comentar um autor tão grande me meterei a me comentar. Não sei se será ironia ou heresia. Me basta que essas palavras rimem.

Também pela implicação recíproca enxergo qualquer coisa como a minha poética. Poética – não no sentido da obra do livro do autor – no simples sentido próprio ao que faço, e como vejo as coisas. Meus vícios poéticos são virtuosos, minhas virtudes poéticas são viciadas. Longamente poderia aqui arrolar várias. Por exemplo essa minha maniazinha provocativazinha polemiquinha, que é chucra e eu não abro mão. Se da brincadeira vem contigência, vejo vindo também necessidade.

Ou que seja isso de eu não gostar de cinema, sem dúvidas. É uma virtude: ignoro a sétima arte, a mais moderna. Ignoro a sétima arte, a mais moderna: a frase por si dá conta de denunciar à sua vez meu tremendo vício.

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