PARA UMA BREVE HISTÓRIA DA LUZ

23/8/2023 

A velocidade da luz

também é aquela

com que se cai uma tarde:

lenta.


Repentina,

mas não é rápida

— é lenta.

Assustada,

mas é lenta.

Brusca;

lenta.


O trajeto da luz é veloz,

o seu itinerário não.


Meu dia dura 24 horas

de precisão mais social que científica.

As 24 horas passam lentas

hoje. 24 horas de dor

e de uma luz lenta

que não passa.


Seu trajeto não me é retilíneo.

Mais que um trajeto

a luz tem nos dias pungentes como hoje

um itinerário

lento e de dor

lenta.

. . .

ALTO MAR

 

Livrar-se de si não é tarefa fácil, porque estamos sempre muito atentos à possibilidade de nos deixarmos. É impossível deixar-se de uma vez por todas, amputar-se: logo sentimos o golpe violento do corte inicial, nos protejemos, realocados para a parte disponível. Nós migramos pelo medo que temos de expulsar o que é próprio. Por isso é preciso não assustar o eu.

Boa armadilha consistirá num gradual esquecimento de si a ponto que não haja mais o que guardar. Pular na água fria é impedir a exorcização de si, é conjurar-se. Nos perderemos apenas quando conhecermos a arte do lento despojo. Só quando nos despirmos, sem a iminência, sem a emergência de um choque térmico, poderemos, enfim, ficar nus dentro da água. Boiarmos, e adeus terra firme. Sol e sal rumo à verdadeira salvação.

. . .