AS SAPEQUICES DO MENINO DOURADO

por Clara Prado

para o proprietário destes meios de expressão


Ninguém me para!

— Ele disse e depois parou.

O menino de ouro cansou

De gostar das mesmas entradas.


Ah, não me levem a mal!

Sapeca pepeca pecar,

Mesmo sujinho consigo brincar

(Brilhar?).

. . .

POEMA RETIRADO DE UM ENSAIO DE PAZ

 

Não a aranha que vejo,

mas essa que digo.

. . .

EXPLICAÇÃO


Há muitos poetas; há

poucos leitores; porque

há, antes, tantos assaltados

e tão poucos assaltantes.

. . .

"YES, I HAVE IT"

Ao editor


Tenho poemas.

Sim, tenho.

Tenho também profemas.

Eu tenho.

O sr. quer comprar

bananas?

. . .

PELO VISTO SIM

 

Não sei se o romance morreu.

Não quero saber.

Tenho raiva de quem sabe.

Nunca cogitamos velório.

Eu? Não. Viu? Obrigado.

Licença? Claro.

Por favor. Pode passar.

. . .

notas ao despertar de endoscopia


Alberto veio me procurar algum tempo depois de eu pedir papel e caneta. Eu queria conversar mas não era possível, pois só joga papo fora quem o tem de sobra. Aqui estão as enfermeiras todas muito ocupadas. Elaine era o nome da que primeiro falou comigo e já não sei quem ela é. Gostaria de ter-lhe dito que tenho uma prima chamada Elaine. E que a sedação foi tão boa que sedado o que sinto é muito bom. Ou, talvez: se na verdade é mais uma impressão, e na verdade o bom vem de depois do apagão estar vivo. Mas uma suave vida apagada na seda... de forma que tantos americanos se viciam em morfina. São efeitos parecidos?, não há a quem possa fazer a pergunta. Peço para conversar com as enfermeiras e pelo meu estado devem pensar que minha vontade de conversar é vã como o sedativo — e? Por isso não importa? Como têm mais o que fazer, pelo menos uma mais gentil atendeu ao meu pedido de papel e caneta. Vejo que a escrita é um arremedo da solidão quando espreita o medo. Mas endereçando-a. A mim? Não sei. Medo de quê? Não sei. Sei que ela potencialmente me revela o que agora só com o torpor nas mãos poderia registrar. E se a escrita revela-me, então a quem? Não sei. Ao menos logo chamarão minha mãe. O tempo suficiente para, de pouco em pouco, me desinteressar do por um instante divino suco de maçã; para deixar de — deixei. Mas o doutor (terá doutorado?) parece que sabe como é, segundo umas das enfermeiras; já o chamaram há tempo e não vem. Seu nome: alguma coisa com L, talvez Loreto. Só faço pensar naquela atriz bonita que não é a Camila Pitanga.

. . .

QUEM TIRA A PRIMEIRA PEDRA?


Nem

uma pedra no caminho

Ausência delas


Nenhum cenário

mais remotamente concebido

como iminência possível

de tropeços empecilhos base para barricadas

Ou atirar pedras porra

Não tem pedra no caminho


Caminho sem pedras

sem caminho

aqui não há nada

. . .

Poema com o qual acho que não concordo
mas que talvez agrade o coração do poeta Régis Bonvicino.

RESPOSTA CORDIAL AO PINTOR ANTONIO YUDI

Poema retirado do meu comentário digital


Burro! Estronda como um esturro

O alarido estúpido do seu urro...

. . .

LINGUISMOS TERRIVELMENTE POÉTICOS

POEMAS TERRIVELMENTE LINGUÍSTICOS


O João perguntou quando a Maria vem;

o João perguntou: a Maria vem quando?

. . .

São Miguel à frente para me defender;

São Miguel atrás para me proteger;

São Miguel à direita e à esquerda para me acompanhar;

São Miguel acima para me iluminar;

São Miguel abaixo para me sustentar;

É como se eu tivesse

Toda a força de uma prece a me rodear.

. . .