FRICÇÃO DE SUPERFÍCIE

Foi assim. Um professor qualquer tinha-me dito, apresentando uma proposta daquelas que se masca e cospe, e cumpre: nosso modelo é o Rubem Braga. Como sempre, mecânica, anotei, achei lindo, e repetia enquanto soava o sinal, enquanto ia à banca, e enquanto chegava em casa. Colei figurinha – e Rubem Braga, meu modelo.

E lavei a louça e deitei com o vizinho e dormi sem tomar banho, porque era gasto de água à toa e gosto das sensações que pregam. Todos os dias foram isso, figurinha e Rubem Braga porque sou mecânica. E mais outras coisas já que sem perceber fico assim, como quem lê e quem está escrevendo: rasa, escura, tatuada. Na base de escola e bofetada, porque tudo se repete e porque não sou Rubem Braga, porque ele tem prestígio e eu tenho louça, vizinho e uma folha de papel. 

Até que, vendo a exposição de um humorista, li exposto: cada dia me sinto mais mecânica. Se é para ser repetindo e aguentando e engolindo; se será de qualquer jeito, decidi. Comporei um grande álbum e virarei modelo também. Escurecendo debutei os recortes com a cara daquele Fernandes, porque naquela cara feia me surgiu algo de muito sisudo. Sim, me senti sensível. E se me sento a comer sensibilidade junto às empadas, não lavo as mãos. É preciso de estar lubrificada para receber as tatuagens: tudo é marca, tudo se sedimenta nas extremidades. Foi aí que o atrito do papel engordurado com a ponta dos dedos me deixou excitada. Quis procurar também um retrato do Presidente Washington Luiz. São imprevistos; à máquina, quando lhe dá um pane, às vezes me surgem. E foi que, não sei se a fitar o bigode espesso, se porque me cortava na folha de papel, quando vi – tinha parado, já não pensava mais no nome do nosso modelo.


Busquei bem a compensatória: Rubem Braga haveria que caber no álbum. Mas a vida é muito pão, muito queijo e muito masca e cospe para álbum ficar dando modelo. Nas fotos se revelou apenas um pária, um padre, um padeiro. Não – é para isso que servem os grandes, glória sem glamour? Não, a mim, me basta ser larga: um canal tem dezoito centímetros, então principia o organismo. Ainda não conheci inteiro o professor, mas sei o tipo. Sei que não passa a noite no conjugado e nem dorme cabulando banho. Rubem Braga foi uma sentença. 

O corretivo? Simples; foi, como foi. Amanhecendo, entrei no primeiro sebo que vi, pedi a revista mais antiga e, já na primeira página, estava lá estampado: Cuquita CarballoNão a conheço, no google existe apenas como imagem. Recortei convicta. Se for para ter modelo, será rumbeira cubana. Só assim que me soo literária: suada, num corpo a corpo, anônima.

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